Fui num sebo-café na Rua da República, em Porto
Alegre, dias atrás, e sentei ao lado da estante de livros. Folhei o que estava
mais perto, A última favorita: a maravilhosa aventura de madame Du Barry,
e fiquei fascinado com o primeiro capítulo.[1]
Em 1768, uma jovem de 25 anos visita o Palácio de
Versalhes com o ex-amante (para tratar de assuntos pecuniários com uma
autoridade palaciana) e acaba indo assistir à refeição de Luís XV, então um
viúvo melancólico de 58 anos. O rei encena a refeição ritual com enfado, nota a
presença da moça (descrita como de extrema beleza) e deixa transparecer o seu
encantamento.
Pronto, está armado o mote do livro: a relação
dessa mulher, Jeanne de Vaubenier, com o rei. Saí do sebo-café com o livro
debaixo do braço e o li com grande interesse, em especial quanto ao modo como a
heroína (descrita com muita simpatia) encara a relação amorosa com o rei e
menos com as intrigas palacianas (que ocupam mais da metade da narrativa).
Jeanne de Vaubenier era de “nascimento obscuro”
(filha de uma cozinheira com um frade), “infância infeliz”, “juventude
desamparada” e viveu em constante perigo devido a sua “beleza maravilhosa”. Aos
vinte anos estabeleceu relação com o fidalgo Jean Du Barry e, mais do que tudo,
se encantou com a proteção que ele lhe deu. O fidalgo cedo percebeu que a moça
sentia “repugnância (...) por determinados favores” que ele lhe pedia e passou
a tratá-la como uma irmã, preocupado com sua situação material e seu futuro.
Quando ele foi procurado por membros da corte interessados em aproximar a moça
do rei, prontamente se colocou como parte do ardil.
O rei costumava ter aventuras passageiras com
mulheres plebeias, mas alguns aristocratas (interessados em terem uma pessoa
próxima junto ao monarca) avaliaram que Jeanne era mulher diferenciada e
apostaram numa relação mais sólida. Jeanne se conformou ao jogo e, para sua
sorte (e dos seus benfeitores), a artimanha surtiu efeito. O rei, que a
princípio viveu a experiência como “um delírio dos sentidos”, logo estabeleceu
com ela “laços do coração e do espírito”. E ela, “subjugada (...) pela
majestade real do amante”, logo descobriu que Luís XV, na intimidade, se
despojava da persona real e se transformava “apenas no homem que ele era”.
Um romanção: a heroína de origem plebeia que
conquista um coração real e, na sequência, boa parte da corte de Versalhes, a qual
não admitia alguém de condição inferior galgar ao posto de amante oficial.
Posição que ela conquistou no ano seguinte, após uma falsificação na sua
documentação de nascimento e o casamento de conveniência com o Conde Du Barry
(irmão do ex-amante).
Madame Du Barry (assim ela ficou conhecida na
História) viveu com o rei praticamente até a sua morte (durante cinco anos) e a
narrativa a apresenta como mulher
dócil, compreensiva em relação aos desejos e
caprichos reais, e muito satisfeita nesta condição. Conquistou uma posição
material privilegiada, soube gerir o seu dinheiro, manter boas relações e assim
se manter. Às vezes se interrogava quanto a sua condição (“Estarei destinada a
ser sempre amada e a não amar nunca?”), mas, quando se viu em situação de
escolher (após a morte do rei), optou por outro amante poderoso. Uma plebeia
fascinada pelo mundo aristocrata.
"Madame Du Barry" (1781), de Elisabeth Vigée Le Brun. Fonte: Wikipédia. |
Quando a revolução chegou às portas do palácio, Madame
Du Barry claramente optou pelos monarquistas e auxiliou os aristocratas que
fugiam e conspiravam contra as novas forças políticas. Tentou fazer um jogo com
os revolucionários (mesmo depois de estabelecida a República), mas não obteve
êxito. Apostou demais no seu taco e foi presa, condenada como traidora e
guilhotinada no segundo ano da República (1793).
Na última cena do romance, o funcionário do
Tribunal Revolucionário que registra as execuções assim anota a sua morte: “o
cutelo da guilhotina caiu sobre o belo pescoço da Condessa Du Barry”.
[1] LAMBERT,
André. A última favorita: a maravilhosa aventura da madame Du Barry.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1959. 304 p. Coleção “Grandes Mulheres na História”.
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