A história é a da professora divorciada, 47 anos,
sem filhos, que encontra o fazendeiro viúvo, 70, duas filhas casadas, e se
apaixona perdidamente, refazendo fantasias antigas, que achava perdidas para
sempre. O homem lhe oferece uma vida de princesa, na fazenda, longe da cidade
onde ela sempre viveu, longe da escola que sempre foi o eixo da sua vida, e ela
hesita. “Quero te colocar no centro da minha vida”, ele afirma, “mas aqui, aqui no meu mundo”, ele enfatiza, apontando o campo ao redor de sua casa
avarandada.
Ela diz para as colegas de escola que um dia vai
largar tudo, mas tem medo. Ele é carinhoso, atencioso, não quer que ela se
desgaste indo e vindo da cidade para a fazenda, da fazenda para a cidade, quase
120 quilômetros, que ela percorre de 15 em 15 dias, pois é difícil ele largar o
controle das terras, a supervisão dos empregados. “É o olho do dono que engorda
o gado”, ele diz e ela repete. As colegas babam de inveja. “Na nossa idade,
chegando aos 50, isso não acontece mais, aproveita”, diz a amiga mais próxima,
com a xícara de café fumegando entre as mãos. “Nenhum homem mais nos olha”,
comenta outra. “Não seja boba, ele tem dinheiro, larga tudo”, insiste uma
terceira, que recém chegou na sala dos professores.
O ex-marido, 50 anos, igualmente professor, escuta
a mulher e diz que ela tem sorte. “Sorte?”, a ex-esposa pergunta. “Ora, uma
paixão com um homem próspero é sempre uma confusão a menos”, ele explica,
“comigo isso não acontece, é só bucha.” “Mas ele é tão tradicional, tão
arraigado a nesse mundo da Campanha que nós lutamos tanto para nos
desvencilhar”, ela argumenta. “O machismo”, ela acrescenta, “está ali, vivo,
sem um esforço consistente de ser superado, e eu me assusto.” O ex-marido ri,
se debruça sobre a mesa, pega um guardanapo de papel e começa a dobrá-lo em
diversas partes (eles estão numa cafeteria de shopping), e diz que isso faz
parte do pacote. “Nem tudo é perfeito, ora bolas”, arremata. E inicia uma frase
articulando a reforma agrária que não chegou ao campo assim como não se concretizaram outros projetos progressistas
no sentido da modernização da sociedade, das relações entre os sexos inclusive. A
ex-mulher arregala os olhos e quase grita: “Agora não, não mete
política no meio. Tô falando da minha vida, de um novo casamento, de romper com
meu estilo de vida, e tu me vem com esse esquerdismo insuportável?!” “Tá bom,
ele diz”, arrumando-se para ir embora, se levantando. “Não vamos começar... Eu
só quero que tu te dê bem. Ele é um partidão e tu gostas dele, estás toda
derretida inclusive, e é isso que importa”, enfatiza, dizendo depois que a
conta é dele e seguindo na direção do caixa, enquanto ela pega o celular, pois
entrou uma mensagem e ela acha que ele, é ele, quem sabe perguntando se já se
decidiu.
A história é da professora, 47 anos, divorciada, que
andava desesperançada e encontra o fazendeiro viúvo capaz de acender antigas
fantasias: a de casar com um homem que a acolhesse e garantisse cuidar da sua
vida. “Eu mereço isso”, ela diz, vendo o ex-marido andar pelo corredor do
shopping, o marido que apenas lhe ofereceu uma vida amorosa juntos,
compartilhando contas, aflições, sem nenhuma largueza financeira, sem possibilidades de grandes voos. A história é essa. Ou, ao menos é essa a história que ela
conta para si mesma: “posso dar esse passo de bailarina, jogar para o alto tudo
o que construí e cair nos braços de um velho rico? Sim, um velho rico”, ela
repete para si mesma. “Posso?”
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