segunda-feira, 8 de abril de 2024

A professora e o fazendeiro

 

A história é a da professora divorciada, 47 anos, sem filhos, que encontra o fazendeiro viúvo, 70, duas filhas casadas, e se apaixona perdidamente, refazendo fantasias antigas, que achava perdidas para sempre. O homem lhe oferece uma vida de princesa, na fazenda, longe da cidade onde ela sempre viveu, longe da escola que sempre foi o eixo da sua vida, e ela hesita. “Quero te colocar no centro da minha vida”, ele afirma, “mas aqui, aqui no meu mundo”, ele enfatiza, apontando o campo ao redor de sua casa avarandada.

Ela diz para as colegas de escola que um dia vai largar tudo, mas tem medo. Ele é carinhoso, atencioso, não quer que ela se desgaste indo e vindo da cidade para a fazenda, da fazenda para a cidade, quase 120 quilômetros, que ela percorre de 15 em 15 dias, pois é difícil ele largar o controle das terras, a supervisão dos empregados. “É o olho do dono que engorda o gado”, ele diz e ela repete. As colegas babam de inveja. “Na nossa idade, chegando aos 50, isso não acontece mais, aproveita”, diz a amiga mais próxima, com a xícara de café fumegando entre as mãos. “Nenhum homem mais nos olha”, comenta outra. “Não seja boba, ele tem dinheiro, larga tudo”, insiste uma terceira, que recém chegou na sala dos professores.

O ex-marido, 50 anos, igualmente professor, escuta a mulher e diz que ela tem sorte. “Sorte?”, a ex-esposa pergunta. “Ora, uma paixão com um homem próspero é sempre uma confusão a menos”, ele explica, “comigo isso não acontece, é só bucha.” “Mas ele é tão tradicional, tão arraigado a nesse mundo da Campanha que nós lutamos tanto para nos desvencilhar”, ela argumenta. “O machismo”, ela acrescenta, “está ali, vivo, sem um esforço consistente de ser superado, e eu me assusto.” O ex-marido ri, se debruça sobre a mesa, pega um guardanapo de papel e começa a dobrá-lo em diversas partes (eles estão numa cafeteria de shopping), e diz que isso faz parte do pacote. “Nem tudo é perfeito, ora bolas”, arremata. E inicia uma frase articulando a reforma agrária que não chegou ao campo com outros projetos progressistas no sentido da modernização da sociedade, das relações entre os sexos inclusive. A ex-mulher arregala os olhos e quase grita: “Agora não, não mete política no meio. Tô falando da minha vida, de um novo casamento, de romper com meu estilo de vida, e tu me vem com esse esquerdismo insuportável?!” “Tá bom, ele diz”, arrumando-se para ir embora, se levantando. “Não vamos começar... Eu só quero que tu te dê bem. Ele é um partidão e tu gostas dele, estás toda derretida inclusive, e é isso que importa”, enfatiza, dizendo depois que a conta é dele e seguindo na direção do caixa, enquanto ela pega o celular, pois entrou uma mensagem e ela acha que ele, é ele, quem sabe perguntando se já se decidiu.

A história é da professora, 47 anos, divorciada, que andava desesperançada e encontra o fazendeiro viúvo capaz de acender antigas fantasias: a de casar com um homem que a acolhesse e garantisse cuidar da sua vida. “Eu mereço isso”, ela diz, vendo o ex-marido andar pelo corredor do shopping, o marido que apenas lhe ofereceu uma vida amorosa juntos, compartilhando contas, aflições, sem nenhuma largueza financeira, sem possibilidades de grandes voos. A história é essa. Ou, ao menos é essa a história que ela conta para si mesma: “posso dar esse passo de bailarina, jogar para o alto tudo o que construí e cair nos braços de um velho rico? Sim, um velho rico”, ela repete para si mesma. “Posso?”

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