sábado, 30 de setembro de 2017

45 anos e uma notícia surpreendente

Filme para ver no Net Now: “45 anos” (2015), dirigido por Andrew Haig, com Charlotte Rampling e Tom Courtenay. Um casal vive na zona rural inglesa, os dois são saudáveis, vivem sem preocupações financeiras e a mulher está organizando uma festa para comemorar os 45 anos de casamento. Súbito chega uma notícia pelo correio que abala os dois: o corpo de uma antiga namorada do marido (de antes dele conhecer a atual esposa) é encontrado nos Alpes suíços. O marido rememora esse antigo amor e a mulher descobre a existência dessa relação antiga a respeito do qual ele nunca falou.
O filme é lento, intimista, centrado nas reações que marido e mulher têm diante da notícia, até o momento da festa de casamento. Se o leitor não assistiu e gosta de dramas intimistas, sugiro suspender a leitura e ver o filme primeiro. Vale a pena. O que eu escrevo estragará o prazer que uma história bem narrada e bem interpretada costuma causar.

 Depois de receber a notícia, o marido conta a mulher que ele e a namorada escalavam os Alpes suíços, quando ocorre um acidente. A mulher escorrega, cai numa fenda das montanhas e desaparece. 50 anos depois, é esse corpo - completamente congelado - que é encontrado.
O marido conta tudo isso para a atual esposa e ela assinala, como algo “engraçado” (ela usa essa palavra), o fato do acidente ter ocorrido na mesma data em que morreu sua mãe. Os dois se conheceram pouco depois disso e as perdas recentes parecem não terem sido comentadas por ambos.
Eu pensei que essa história da mãe fosse aparecer novamente nas conversas do casal, mas me enganei. Deve ser coisa minha (paciente antigo de psicoterapia) que acha que essas histórias de pai e mãe são importantes na construção dos relacionamentos amorosos e podem ser tematizados pelo cinema e literatura. No caso desse filme, não é assim. A perda da mãe não é retomada. Apenas citada.
A narrativa centra no ciúme que a esposa sente desse amor antigo do marido e que a leva a remexer furtivamente nas coisas do marido, folhear suas anotações e fotos de juventude. Uma noite, ela pergunta se ele teria casado com a namorada, se ela não tivesse morrido, e o marido titubeia em responder essa “pergunta teórica”. Mas acaba cedendo a insistência da esposa e diz que sim, casaria. Uma resposta que a mulher escuta com aparente serenidade, mas que depois descobrimos que a abala profundamente.
A vida do casal balança, o marido percebe, deixa as lembranças da antiga namorada de lado, se propõe a ser mais companheiro, faz discurso amoroso na festa de casamento, cai em lágrimas nessa festa (ele, um sujeito de raras lágrimas, segundo a esposa), mas não tem jeito. A mulher está desencantada. Provavelmente, mais uma prisioneira do mito do amor romântico, que acreditou que seu casamento fora um encontro de almas armado pelos deuses e não uma construção humana, marcado por esforços mútuos e contingências da vida.
Um belo filme. A cena final - da mulher no meio do salão de festas, depois de dançar com o marido, com o olhar de desamparo - é de uma humanidade assustadora. A humanidade das pequenas dores, da infelicidade miúda e devastadora.

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