Filme para ver no Net
Now: “45 anos” (2015), dirigido por Andrew Haig, com Charlotte Rampling e Tom
Courtenay. Um casal vive na zona rural inglesa, os dois são saudáveis, vivem
sem preocupações financeiras e a mulher está organizando uma festa para
comemorar os 45 anos de casamento. Súbito chega uma notícia pelo correio que
abala os dois: o corpo de uma antiga namorada do marido (de antes dele conhecer
a atual esposa) é encontrado nos Alpes suíços. O marido rememora esse antigo
amor e a mulher descobre a existência dessa relação antiga a respeito do qual
ele nunca falou.
O filme é lento,
intimista, centrado nas reações que marido e mulher têm diante da notícia, até
o momento da festa de casamento. Se o leitor não assistiu e gosta de dramas
intimistas, sugiro suspender a leitura e ver o filme primeiro. Vale a pena. O que
eu escrevo estragará o prazer que uma história bem narrada e bem interpretada
costuma causar.
Depois de receber a notícia, o marido conta a
mulher que ele e a namorada escalavam os Alpes suíços,
quando ocorre um acidente. A mulher escorrega, cai numa fenda das montanhas e
desaparece. 50 anos depois, é esse corpo - completamente congelado - que é encontrado.
O marido conta tudo isso
para a atual esposa e ela assinala, como algo “engraçado” (ela usa essa
palavra), o fato do acidente ter ocorrido na mesma data em que morreu sua mãe. Os
dois se conheceram pouco depois disso e as perdas recentes parecem não terem
sido comentadas por ambos.
Eu pensei que essa
história da mãe fosse aparecer novamente nas conversas do casal, mas me
enganei. Deve ser coisa minha (paciente antigo de psicoterapia) que acha que
essas histórias de pai e mãe são importantes na construção dos relacionamentos
amorosos e podem ser tematizados pelo cinema e literatura. No caso desse filme,
não é assim. A perda da mãe não é retomada. Apenas citada.
A narrativa centra no
ciúme que a esposa sente desse amor antigo do marido e que a leva a remexer
furtivamente nas coisas do marido, folhear suas anotações e fotos de juventude. Uma noite,
ela pergunta se ele teria casado com a namorada, se ela não tivesse
morrido, e o marido titubeia em responder essa “pergunta teórica”. Mas acaba
cedendo a insistência da esposa e diz que sim, casaria. Uma resposta que a
mulher escuta com aparente serenidade, mas que depois descobrimos que a abala
profundamente.
A vida do casal balança,
o marido percebe, deixa as lembranças da antiga namorada de lado, se propõe a ser mais
companheiro, faz discurso amoroso na festa de casamento, cai em lágrimas nessa
festa (ele, um sujeito de raras lágrimas, segundo a esposa), mas não tem jeito.
A mulher está desencantada. Provavelmente, mais uma prisioneira do mito do amor
romântico, que acreditou que seu casamento fora um encontro de almas armado
pelos deuses e não uma construção humana, marcado por esforços mútuos e
contingências da vida.
Um belo filme. A cena final - da mulher no meio do salão de festas, depois de dançar com o marido, com o olhar de desamparo - é de uma humanidade assustadora. A humanidade das pequenas dores, da infelicidade miúda e devastadora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário