quinta-feira, 9 de agosto de 2012


Churrasquinho na praça

Seu Antônio faz churrasquinho na Praça Roque Gonzáles (na frente do Hospital de Caridade) há um ano. Tem freguesia certa. Enquanto conversávamos, vieram duas funcionárias de uma farmácia das imediações e comeram cada uma um espetinho, sentadas num banco da praça. Veio também um rapaz, que acabara de chegar de viagem, e levou meia dúzia, todos embrulhados em papel laminado.
Era uma noite quente e seu Antônio estava na praça desde as quatro da tarde. Sobravam poucos espetinhos e ele me adiantou que o movimento fora muito bom.
– Dá pra vender uns 50 por dia. No início do mês, se trouxer 80 ou 90, vão todos. Depois do dia 20, porém, fica difícil. O pessoal já gastou o salário – ele explica.
Seu Antônio nasceu em Jaguari, em 1945. Aos cinco anos de idade, começou a trabalhar numa leiteria – ele disse “leitaria”, é assim que se fala na região – e cuidava das vacas. Dava comida, levava elas pro campo, pra estrebaria. E eu não acreditei.
– Com cinco anos de idade? – perguntei.
Sorrindo, ele respondeu que sim. Contou que puxava os animais por uma corda e os bichos vinham tranqüilos. Depois, ainda criança, passou a entregar leite nas casas. O dono arrumava os litros de leite em malas de garupa, em cima do cavalo, e lá saia ele.
Novamente meu espanto. Mas dessa vez fico calado. 
Depois seu Antônio veio para a cidade e foi trabalhar no escritório de uma empresa de transporte.
– A mesma empresa, durante vinte oito anos – ele explica com orgulho.
 Tenho vontade de perguntar como se deu a passagem do mundo rural para o urbano, mas deixo pra outra hora. Chegam mais duas clientes e ele as atende com atenção.
Ao redor de nós, o Hospital de Caridade, os prédios de consultórios médicos e clínicas variadas. Um pólo sofisticado de serviços de saúde, referência no interior do estado. Como será que seu Antônio vê tudo isso?
São oito e meia da noite e ele não tem mais churrasquinho para vender. Vai para casa mais cedo e fico observando ele encerrar o expediente.
Na verdade, ficamos olhando, Leonardo Brasiliense e eu. Foi o Brasiliense quem descobriu o seu Antônio. Trouxe a máquina fotográfica e ficou fotografando o homem, enquanto eu conversava com ele. (Confira as fotos no blog leonardobrasiliense.blogspot.com.)
Quem vê o seu Antônio?, me pergunto. Se não fosse o Brasiliense, fotógrafo atento à paisagem humana da cidade, eu não teria visto.

4 comentários:

  1. Maravilhoso texto, Vitor. Me colocou ali e me ajudou em um olhar sensível sobre as pessoas e a paisagem.

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  2. Ah... e sobre Jaguari, não te espantes. Lá, as coisas são assim. Eu mesmo, aos três anos já buscava o petiço e encerrava as vacas. Aos quatro anos, as ordenhava às 5 da manhã e levava o leite para casa. Aos seis anos, fazia gamelas para vender na beira da estrada, depois cortava lenha para minha avó fazer a polenta. Aos sete anos, acordava antes do sol nascer para tratar dos bichos e trançar laços e relhos de couro, antes de pegar o cavalo para ir à escola, 12 quilômetros distante de casa. Aos 8 anos cansei dessa vida, roubei uma Kombi, fui para a estrada e passei a escrever poemas e romances que foram traduzidos para 32 idiomas. Foi aí que começou essa minha vida de beatnik.

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    1. Genial, Farinatti. De Jaguari para o mundo, na cola do mundo beat.

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  3. e o mais interessante é que o Seu Antônio contava tudo sem reclamar da vida.

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