Seu Antônio faz churrasquinho na Praça Roque Gonzáles
(na frente do Hospital de Caridade) há um ano. Tem freguesia certa. Enquanto
conversávamos, vieram duas funcionárias de uma farmácia das imediações e
comeram cada uma um espetinho, sentadas num banco da praça. Veio também um
rapaz, que acabara de chegar de viagem, e levou meia dúzia, todos embrulhados
em papel laminado.
Era uma noite quente e seu Antônio estava na praça
desde as quatro da tarde. Sobravam poucos espetinhos e ele me adiantou que o
movimento fora muito bom.
– Dá pra vender uns 50 por dia. No início do mês, se
trouxer 80 ou 90, vão todos. Depois do dia 20, porém, fica difícil. O pessoal já
gastou o salário – ele explica.
Seu Antônio nasceu em Jaguari, em 1945. Aos cinco anos
de idade, começou a trabalhar numa leiteria – ele disse “leitaria”, é assim que
se fala na região – e cuidava das vacas. Dava comida, levava elas pro campo,
pra estrebaria. E eu não acreditei.
– Com cinco anos de idade? – perguntei.
Sorrindo, ele respondeu que sim. Contou que puxava os
animais por uma corda e os bichos vinham tranqüilos. Depois, ainda criança, passou
a entregar leite nas casas. O dono arrumava os litros de leite em malas de
garupa, em cima do cavalo, e lá saia ele.
Novamente meu espanto. Mas dessa vez fico calado.
Depois seu Antônio veio para a cidade e foi trabalhar
no escritório de uma empresa de transporte.
– A mesma empresa, durante vinte oito anos – ele
explica com orgulho.
Tenho vontade
de perguntar como se deu a passagem do mundo rural para o urbano, mas deixo pra
outra hora. Chegam mais duas clientes e ele as atende com atenção.
Ao redor de nós, o Hospital de Caridade, os prédios de
consultórios médicos e clínicas variadas. Um pólo sofisticado de serviços de saúde,
referência no interior do estado. Como será que seu Antônio vê tudo isso?
São oito e meia da noite e ele não tem mais
churrasquinho para vender. Vai para casa mais cedo e fico observando ele encerrar o expediente.
Na verdade, ficamos olhando, Leonardo Brasiliense e
eu. Foi o Brasiliense quem descobriu o seu Antônio. Trouxe a máquina
fotográfica e ficou fotografando o homem, enquanto eu conversava com ele. (Confira as fotos no blog leonardobrasiliense.blogspot.com.)
Quem vê o seu Antônio?, me pergunto. Se não fosse o
Brasiliense, fotógrafo atento à paisagem humana da cidade, eu não teria visto.
Maravilhoso texto, Vitor. Me colocou ali e me ajudou em um olhar sensível sobre as pessoas e a paisagem.
ResponderExcluirAh... e sobre Jaguari, não te espantes. Lá, as coisas são assim. Eu mesmo, aos três anos já buscava o petiço e encerrava as vacas. Aos quatro anos, as ordenhava às 5 da manhã e levava o leite para casa. Aos seis anos, fazia gamelas para vender na beira da estrada, depois cortava lenha para minha avó fazer a polenta. Aos sete anos, acordava antes do sol nascer para tratar dos bichos e trançar laços e relhos de couro, antes de pegar o cavalo para ir à escola, 12 quilômetros distante de casa. Aos 8 anos cansei dessa vida, roubei uma Kombi, fui para a estrada e passei a escrever poemas e romances que foram traduzidos para 32 idiomas. Foi aí que começou essa minha vida de beatnik.
ResponderExcluirGenial, Farinatti. De Jaguari para o mundo, na cola do mundo beat.
Excluire o mais interessante é que o Seu Antônio contava tudo sem reclamar da vida.
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