Em 1967, Erico Veríssimo tematizou a tortura num
romance intitulado O prisioneiro.
Ambientou a trama num país do Extremo Oriente, o Vietnã, e colocou de um lado o
Exército norte-americano e, do outro, os vietcongues, guerrilheiros comunistas.
Um quadro emblemático da Guerra Fria.
Nesse cenário, um coronel norte-americano estava no controle
de uma cidade vietnamita e tinha a missão de descobrir “o contrabando de
explosivos de plástico”. Dois atentados terroristas já haviam acontecido – no
saguão de um hotel e num cinema, causando dezenas de mortos, feridos e
mutilados – e a situação era tensa do ponto de vista militar. A cada atentado,
o Exército sentia o seu poder desprestigiado e diminuído.
Ocorre uma terceira explosão – agora num cabaré – e um
dos terroristas é pego e levado a interrogatório. O coronel tem conhecimento de
que há uma outra bomba prestes a explodir e designa um tenente a obter a informação.
O tenente é versado em psicologia e se propõe a interrogar o prisioneiro dentro
das regras da sua especialidade. Mas ele tem como auxiliar um sargento, adepto
de práticas violentas, e se estabelece uma disputa entre os dois. A bomba
explodirá em quatro horas e eles precisam ser rápidos. O prisioneiro é um mirrado
vietcongue de 19 anos, que se nega a dizer qualquer coisa.
O sargento tripudia dos métodos civilizados do tenente,
enquanto este se remói, cheio de escrúpulos, pois entende que não é com métodos
bárbaros que se enfrenta o inimigo. Mas, ao final, o tenente capitula e deixa o
sargento agir ao seu modo. A genitália do prisioneiro é martirizada e o rapaz
morre sem entregar a localização da bomba. A partir daí, o tenente passa a se
sentir um prisioneiro da sua decisão de torturar e tal sentimento o conduz a
uma situação alucinante, de loucura e morte. O sargento dá de ombros, considerando que dessa vez o seu método não funcionou, enquanto o coronel avalia que apenas
cumpriu o seu papel de militar.
Erico Veríssimo publicou este romance três anos após o
Golpe de 64, quando a tendência do regime político instalado no Brasil era de
crescente autoritarismo e a utilização da tortura já se fazia presente no
combate aos opositores, comunistas ou não. Outro quadro típico da Guerra Fria.
Um romance corajoso e contundente! Atual ainda hoje,
quando vemos a Comissão da Verdade e Justiça se movimentando para averiguar e
esclarecer as práticas violentas que caracterizaram o Regime Militar. Um
romance que elege como personagens centrais aqueles que torturavam nos porões
dos quartéis, delineando seus dramas, conflitos pessoais, e também seus dilemas
éticos – quando esses últimos aconteciam.
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