domingo, 27 de maio de 2012


O prisioneiro

Em 1967, Erico Veríssimo tematizou a tortura num romance intitulado O prisioneiro. Ambientou a trama num país do Extremo Oriente, o Vietnã, e colocou de um lado o Exército norte-americano e, do outro, os vietcongues, guerrilheiros comunistas. Um quadro emblemático da Guerra Fria.
Nesse cenário, um coronel norte-americano estava no controle de uma cidade vietnamita e tinha a missão de descobrir “o contrabando de explosivos de plástico”. Dois atentados terroristas já haviam acontecido – no saguão de um hotel e num cinema, causando dezenas de mortos, feridos e mutilados – e a situação era tensa do ponto de vista militar. A cada atentado, o Exército sentia o seu poder desprestigiado e diminuído.
Ocorre uma terceira explosão – agora num cabaré – e um dos terroristas é pego e levado a interrogatório. O coronel tem conhecimento de que há uma outra bomba prestes a explodir e designa um tenente a obter a informação. O tenente é versado em psicologia e se propõe a interrogar o prisioneiro dentro das regras da sua especialidade. Mas ele tem como auxiliar um sargento, adepto de práticas violentas, e se estabelece uma disputa entre os dois. A bomba explodirá em quatro horas e eles precisam ser rápidos. O prisioneiro é um mirrado vietcongue de 19 anos, que se nega a dizer qualquer coisa.
O sargento tripudia dos métodos civilizados do tenente, enquanto este se remói, cheio de escrúpulos, pois entende que não é com métodos bárbaros que se enfrenta o inimigo. Mas, ao final, o tenente capitula e deixa o sargento agir ao seu modo. A genitália do prisioneiro é martirizada e o rapaz morre sem entregar a localização da bomba. A partir daí, o tenente passa a se sentir um prisioneiro da sua decisão de torturar e tal sentimento o conduz a uma situação alucinante, de loucura e morte. O sargento dá de ombros, considerando que dessa vez o seu método não funcionou, enquanto o coronel avalia que apenas cumpriu o seu papel de militar.
Erico Veríssimo publicou este romance três anos após o Golpe de 64, quando a tendência do regime político instalado no Brasil era de crescente autoritarismo e a utilização da tortura já se fazia presente no combate aos opositores, comunistas ou não. Outro quadro típico da Guerra Fria.
Um romance corajoso e contundente! Atual ainda hoje, quando vemos a Comissão da Verdade e Justiça se movimentando para averiguar e esclarecer as práticas violentas que caracterizaram o Regime Militar. Um romance que elege como personagens centrais aqueles que torturavam nos porões dos quartéis, delineando seus dramas, conflitos pessoais, e também seus dilemas éticos – quando esses últimos aconteciam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário