Não seria exagero dizer que o meu avô Octaviano,
batendo martelo no fundo do quintal da sua casa, me colocou em sintonia com o
mundo luso. Isto é, pregando alguma coisa – quem sabe um caminhãozinho dos netos – e falando a respeito das grandes navegações portuguesas, o avô me
possibilitou saltar os limites do mundo familiar, da pequena cidade do interior (Pelotas) e vislumbrar a expansão européia dos séculos XV e XVI,
a partir do litoral lusitano.
Dado a arroubos de fantasia, não foi difícil ao menino
que eu era avistar as naus portuguesas entrando pela barra do Rio Grande e estabelecendo
as bases de uma vila com o mesmo nome. Assim como imaginar o surgimento de
Pelotas a partir da expansão lusitana pelo interior do continente.
Quando me contaram que foram os refugiados da invasão
do Rio Grande pelo general Cevallos (1763), mais os fugitivos da ocupação da
Colônia de Sacramento pelos castelhanos (1777) que dinamizaram o povoamento da
região de Pelotas, não foi difícil entender. Parecia que o avô já me dissera
isto – ou, ao menos, me familiarizara com o assunto.
Diante da imagem de São Francisco de Paula – que os
fugitivos de Sacramento trouxeram numa carreta e até hoje se encontra na
Catedral de Pelotas –, cedo fui informado de que estava diante da Cruz que
acompanha a Espada na expansão da civilização européia na América.
Claro que levei anos para juntar tudo isso – a Cruz, a
Espada, São Francisco de Paula e as naus lusitanas –, mas não erro ao afirmar
que meu entendimento das coisas iniciou com meu avô. E quando estive em Lisboa,
e caminhei pela margem do Tejo, próximo a Torre de Belém, foi do avô que lembrei.
Do avô martelando no fundo do quintal – e nos imaginei feito dois operários do
rei D. Manuel, o Venturoso, calafetando as naus que atravessariam o Atlântico.
Voltei ao princípio das coisas, senti. Ou, ao menos,
ao princípio de alguma coisa que aprendi na infância: ao lastro lusitano que
alicerça a alma e sensibilidade da maioria de nós.
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