A primeira
mulher é o título de um romance de
Miguel Sanches Neto (Record, 2008, 335 p.). Reli na última semana. Me intriga
essa narrativa feita em primeira pessoa, por um personagem professor
universitário, solteirão, que completa 40 anos. Ele leciona literatura e faz um
tipo alheio ao sistema universitário, isto é, não se preocupa com
pós-graduação, com publicação de artigos nem com as regras mínimas do ensino
(controle de freqüência dos alunos e provas de avaliação). Trata-se de um professor
apaixonado por literatura e pronto – sem grandes amarras com o “mundo real”.
Não prolonga suas relações com mulheres e namora uma aluna por ano, sistematicamente.
De repente, ao completar 40 anos, sonha que uma
namorada antiga venha lhe procurar e justamente uma mulher dessas bate na sua
porta. Uma mulher que ele namorara aos 20 anos e que o largara para se casar,
ter estabilidade, família e filhos.
Já na juventude, o personagem narrador era um
desgarrado das formas tradicionais de vínculos e relações. Órfão de pai desde
menino, viveu com a mãe até o tempo de universitário e depois foi morar sozinho
– procurando distância do mundo materno. Mas esta namorada antiga vem lhe
procurar e o desestabiliza. Ela vem lhe pedir ajudar – é uma deputada em vésperas
de eleição para o cargo de prefeito municipal e está sendo chantageada. Ela
revira a vida do professor e o faz voltar aos tempos de estudante, quando
decidiu não manter compromisso com mulher alguma.
A partir daí, a narrativa ganha tom policial – o narrador
se envolve no mundo da política, se faz detetive, desvenda o imblógio da
chantagem –, mas sem perder de vista o núcleo existencial e amoroso da trama. O
professor quarentão fica entre duas mulheres – uma jovem aluna e a deputada
quarentona – e súbito descobre a figura religiosa de Nossa Senhora e
restabelece vínculos com a própria mãe.
Isto mesmo, a Grande Mãe do panteão católico e a
própria mãe. Penso que este é o elemento intrigante do romance: o
entrelaçamento dessas duas figuras de mãe e a escolha pela mãe natural. O
personagem afirma que “a primeira mulher de um homem é sempre a mãe” e volta à
casa materna. Na cena final – uma noite de temporal – o professor solteirão vai
ao quarto da mãe e deita ao lado dela para proteger-se dos trovões.
Um romance desconcertante, do meu ponto de vista,
quanto ao modo como o personagem restabelece o vínculo materno. E como isto é
uma crônica, um registro pessoal a respeito de um romance e não um texto de
crítica literária, digo mais: revoltante a fragilidade do professor. Um traço
de infantilidade do personagem ou regressão passageira? Não sei. Mas, seja como
for, trama desenvolvida em boa prosa – que garantiu, inclusive, a segunda
leitura.
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