Por volta de 1975, conheci uma aldeia de índios
guarani e fiquei decepcionado. Foi em algum dos morros que fazem parte de Itapuã,
nas margens da Lagoa dos Patos, no município de Viamão. Minha turma costumava
acampar na Praia do Tigre (nas margens da Lagoa) e saímos a desbravar os matos
ao redor. Nos perdemos, encontramos essa aldeia de índios e pedimos para eles nos
ajudarem a encontrar o caminho. Os guarani nos cobraram um preço alto – as
nossas facas – e achamos aquilo demais. Preferimos nós mesmos procurar a picada
até o nosso acampamento.
Foi durante essa negociação fracassada que observei a
aldeia. Três ou quatro palhoças precárias, com pessoas feias, mal encaradas e sujas.
Isto é, aos olhos do guri de 20 anos que eu era, índios mulambentos, apáticos e
indiferentes ao nosso pequeno drama. Aqueles indígenas não batiam com o modo
como os imaginava. Era um final de tarde de verão e o quadro daquela aldeia me
pareceu desolador. Seriam aqueles os índios acabloclados a respeito dos quais o
padre Schmidt (professor de antropologia) falava? Provavelmente.
No meio da noite nós passamos de novo pela aldeia –
levamos horas para encontrar o caminho até o nosso acampamento – e escutamos
eles baterem monotonamente num tronco de árvore. Estavam reunidos numa tapera e
sou capaz, ainda hoje, de escutar aquele tum-tum-tum interminável e sem graça. Segundo
o padre Schmidt, os índios temiam que o Sol não nascesse novamente, que a noite
se eternizasse, e por isso aquele ritual. O ritmo monótono das batidas servia para
preservar o mundo do caos provocado pelo desaparecimento do Sol e também para garantir
que amanhecesse de novo.
Aprendi a lição correta? Não sei. Não nos acertamos
com os índios e lá estavam eles, reunidos ao redor de uma fogueira, indiferentes
a nós, um bando de rapazes e moças da cidade, perdidos na floresta.
Naquela época, eu recém lera Quarup, de Antonio Callado, e minha visão dos índios era a de
homens e mulheres altaneiros. Mais tarde, leria Maíra, de Darcy Ribeiro, e A
expedição Montaigne, de Antonio Callado – este último, talvez uma versão
cômica do épico Quarup –, e só aí ficaria
claro para mim o quanto os intelectuais urbanos são capazes de idealizar o
mundo indígena. Ribeiro e Callado são cruéis ao apontarem as romantizações dos “intelectuais
de Ipanema” e, de tabela, dos intelectuais urbanos em geral.
Lembrei disso enquanto assistia ao belíssimo filme Xingu, dias atrás. Ao redor do fogo, nas
nossas divertidas noites de acampamentos, meus amigos e eu falávamos muito
sobre os índios e sobre os irmãos Villas-Boas também. Éramos todos a favor da
demarcação das terras indígenas, pois nos comovia a degradação que eles viviam.
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