Cláudio Guerra é um ex-delegado do DOPS e acaba de
sair da cadeira, onde cumpriu pena de sete anos por atentado a um bicheiro. Na prisão,
“conheceu Jesus” (hoje é pastor evangélico) e resolveu tornar pública a sua
participação na guerra contra a esquerda brasileira, no período do Regime
Militar. Cláudio Guerra se diz um ex-agente operacional clandestino, vinculado
aos aparelhos de repressão do Estado, como o SNI e o DOI-Codi. Estava
subordinado ao coronel Freddie Espigão Pereira e ao comandante Antônio Vieira, estes sim, ligado aos órgãos oficiais de repressão. Cláudio era apenas um
operador, afirma, um matador e terrorista (colocou bombas no jornal O Estado de S.Paulo e numa estação de
rádio em Angola, p.ex.). E diz jamais ter torturado.
Cláudio Guerra convidou dois jornalistas – Marcelo
Netto e Rogério Medeiros – para organizarem seu depoimento e o resultado é o
livro Memórias de uma guerra suja
(Editora Topbooks, 2012, 290 p.). Os jornalistas deram corpo às memórias do
ex-delegado, procuraram checar informações (nem sempre conseguiram) e o
resultado é algo desconjuntado – mas instigante e desconcertante: a voz de um
homem que operava à margem da lei. Com certo orgulho, Cláudio Guerra afirma ter
feito o serviço que os militares de carreira não tinham competência para
realizar. “A Delegacia de Roubos e Furtos e o DOPS, da Polícia Civil, tinham as
melhores equipes para atuar no combate à esquerda, pelo conhecimento adquirido
com investigação e espionagem de crimes comuns” (p. 93).
A partir de 1973, executou vários militantes da
esquerda e auxiliou no desaparecimento do cadáver de outros tantos. Mas sem
nunca torturar, reitera o ex-delegado. Quando Geisel e Golbery iniciaram a
abertura política, participou de ações que contestavam a orientação "esquerdista”
do governo. Seus comandantes consideravam Golbery um traidor, faziam oposição
ao grupo que estava na Presidência da República e foram os responsáveis pela tentativa de atentado terrorista no Riocentro, em 1981.
A abertura, no entanto, foi vitoriosa e os quadros
ligados à repressão obrigados a se rearranjarem. Alguns encontraram novo lugar
na máquina do Estado, enquanto outros passaram a atuar nas organizações
criminosas ligadas ao tráfico de drogas, na formação de milícias e no jogo do
bicho (caso de Cláudio Guerra). “O know-how conquistado com o aparato do Estado
agora serviria ao submundo do crime organizado”, diz o delegado (p. 194).
Um relato desconcertante, que os jornalistas
apressaram por temerem um breve assassinato de Cláudio Guerra. Um depoimento
duro e cruel – nem sempre confiável, arrisco dizer. Mas esclarecedor do que foi
a guerra contra a esquerda brasileira, na perspectiva de um quadro ideologicamente comprometido (como ele afirma ter sido) aos grupos de extrema
direita. Na visão desses grupos, até Golbery do Couto e Silva entrava na conta
de esquerdista...
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