sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Nelson Rodrigues

Comecei a ler Nelson Rodrigues no extinto jornal Folha da Tarde (da Cia. Caldas Júnior), quando era adolescente. Tinha 14 anos de idade (era 1969) e não entendia coisa alguma de política. O cronista pegava pesado contra as esquerdas da época e eu apenas me divertia com os tipos que ele criava: o “padre de passeata”, a “viúva espiritual de Guevara”, a “estagiária da PUC” e por aí afora. Me fascinava o estilo vigoroso, plástico e dramático de sua escrita. Não me incomodava a crítica político-ideológica.
Pois semanas atrás passei na biblioteca da Universidade e encontrei A Cabra Vadia: novas confissões, livro organizado por Ruy Castro (Cia. das Letras, 1995, 296 p.). Livraço! Crônicas escritas em 1968, de forte caráter político. Toda a verve do autor contra o movimento estudantil (“o poder jovem”), a nova Igreja (que estava se redefinindo em torno do que veio a ser a Teologia da Libertação), os novos costumes (especialmente o uso do biquíni), o engajamento das classes médias na luta revolucionária e mais outras novidades.
Mesmo não fechando com o ideário de Nelson (me tornei um leitor diferente daquele guri de 14 anos), ainda acho fabulosas as suas crônicas. O olhar de um homem de 55/56 anos, sintonizado com o Brasil de cartola e espartilho (o Brasil da República Velha), a respeito daqueles tempos de violentos embates políticos entre esquerda e direita. Um conservador contrafeito com a semi-nudez de moça de biquíni na beira da praia – a moça de biquíni comprando Grapete do crioulo da carrocinha (para citar uma das suas cenas exemplares). .
Do conjunto das crônicas de A Cabra Vadia, “Os dráculas” me parece um texto emblemático. O autor ironiza as mudanças que a nova Igreja introduz no ritual da missa e, principalmente, se espanta com o apoio que a esquerda católica está dando à guerrilha, “achando a guerrilha uma atividade nobilíssima”. A luta armada ganhava estudantes e intelectuais, e Nelson apontava, com perplexidade, a sede de sangue das esquerdas, expressa em “violência justificada”. Breve a esquerda vai querer “beber sangue como groselha”, ele previa.
          Claro que o autor não via a truculência do Regime Militar (que já estava abrigando a OBAN e o uso sistemático da tortura para a eliminação dos inimigos do Estado). Mas isto não tira o seu mérito de cronista: registrar com estilo a difusão do projeto revolucionário pela via das armas, entre as classes médias brasileiras. Um fenômeno latino-americano, que vinha crescendo desde os anos 50, quando as elites intelectuais e políticas passaram a entender que somente a violência poderia transformar a ordem econômica e social.

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