domingo, 13 de novembro de 2011

Nascimento

Nasci em Pelotas, em 1955, na Santa Casa. A mãe conta que sentiu as primeiras contrações dentro do cinema – no Cine-Teatro Sete de Abril. Disse que ela e o pai não puderam assistir ao filme e saíram no meio da sessão. Voltaram para casa, pegaram a mala que já estava pronta e foram para o hospital. Eu nasci no outro dia de manhã. Parto com cesariana. Pesava uns cinco quilos e tudo já estava planejado.
Vivi a infância em Pelotas e saí de lá em 1967, com onze anos de idade. Mas sempre volto à cidade. Numa dessas viagens, passei pela frente da Santa Casa e fiquei subitamente emocionado. É uma construção antiga, de paredes grossas, com portas enormes de madeira escura. Uma instituição fundada em 1848, com instalações remanescentes do final do século XIX. Tirei fotos do prédio e procurei alguma coisa naquelas grossas paredes que falassem do meu nascimento. Entrei num saguão que é dado aos visitantes circularem e o silêncio foi total. Do meu nascimento naquele local, apenas o registro da memória. Apenas o relato materno, do qual me apossei.
É isso: faço esses passeios nostálgicos e faço cada vez mais, nos últimos anos. Visito a cidade onde nasci e caminho por suas ruas como se procurasse registros de cinqüenta e poucos anos atrás. Na maioria das vezes nem sei o que procuro, mas encontro – sempre encontro algo. As paredes da Santa Casa não acrescentam nenhuma informação, porém nada disso importa. Longe dali, em casa, eu fecho os olhos e tudo volta: a mãe contando que sentiu as contrações dentro do cinema, a mãe e o pai no caminho para o hospital, e meu nascimento no outro dia.
Eu volto a essa história que me pertence e que só conheço por causa da memória dos outros. Regresso a “epigênisis da infância” (Augusto dos Anjos) e quase renasço de novo.

Um comentário:

  1. belíssima inauguração do blog! parabéns vitor, vou seguir de perto agora seus últimos escritos.

    PS: Apesar de quase enxergar a Santa Casa, fiquei esperando por uma dessas fotos. Lembras que falamos de Satolep do Vitor Ramil, a narrativa se constrói um pouco dessa forma, uma foto e um capítulo...
    abraços

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