Aos 16 anos tive a primeira namorada e dançamos ao
som do Creedence Cleawater Revival em algum baile de colégio. Era assim em 1971.
Mas a coisa durou pouco. A guria tinha 18 ou 19 anos, estava se preparando para
o vestibular, e a mãe dela não botou fé em mim. “Esse não tem futuro”, ela
disse para a filha e a guria me dispensou.
Nós continuamos nos vendo, conversando sobre
literatura (líamos os românticos do século XIX, mais Bandeira e Quintana, entre
outros) e trocando livros. Um dia, quando eu estava saindo da sua casa (tinha
ido devolver um Jorge Amado), um sujeito emparelha comigo na calçada e logo
fico sabendo que ele era o seu novo namorado. Um rapaz bem apessoado, vinte e
poucos anos, formado em num curso técnico voltado ao trabalho com couro
(atividade em alta na indústria do calçado, na época) e com todo jeito de ser
um bom partido, bem como a mãe da moça desejava.
O sujeito começa a falar, nós paramos na calçada
(numa esquina, disso lembro bem) e ele diz que a guria não queria mais me ver,
eu estava importunando, e era melhor deixar de procurá-la. Acrescentou que
estava avisando educadamente, mas da próxima vez não seria assim.
Eu fiquei completamente zonzo e, feitas as
despedidas, saí andando feito um zumbi. Meia quadra depois as lágrimas
escorriam.
Cada vez que conto isso é de um jeito diferente. No
entanto, um aspecto é sempre o mesmo: a sensação do pontapé na bunda. Primeiro
a guria me dispensa, gentilmente (no jardim da sua casa), depois vem o
namoradinho e dá o golpe final. Acho que ele disse: “Cai da boca, meu”. Mas não
tenho certeza.
Um dia eu a avistei na rua, caminhando e rindo com
duas amigas, e parei para observá-la. Ela estava vestida no rigor da moda
(coisa que abominava até pouco tempo) e comportando-se com a frivolidade que
sempre dissera considerar detestável. Ela adotava outro estilo de vida (breve
estaria de casamento marcado) e me ignorou. Resolvera seguir os conselhos da
mãe, da irmã (estudante de Psicologia), não questionar mais o mundo (“a
sociedade e sua hipocrisia”, como falava) e ser feliz, principalmente feliz.
Naquela época eu já andava escrevendo versos e me
veio um poema inteiro a respeito da mulher distante, inacessível. A mulher impossível,
eu escrevi como título. Para o adolescente que eu era, todas as mulheres se
tornaram inacessíveis. Eu me encolhi feito um caramujo e foi nessa toada que segui
em frente. Até que numa determinada noite, depois de uma festa, uma mulher me pegou
pelo braço (“Por que não?”, ela parecia dizer) e minha vida virou. Foi a
segunda namorada.
Mas aí é outra história (ou outro capítulo dessa novela) e quero ficar na primeira parte. A rejeição da primeira namorada foi inesquecível. Não posso dizer que provocou um trauma, apenas que foi difícil de superar. Levou tempo, teve uma psicoterapia no meio e o troço se resolveu. No entanto ficou a marca do tombo e a indicação de uma dificuldade de compreender as mulheres. Assim como a indicação de uma idealização do feminino, coisa comum em adolescentes que leem poesia e fazem versos, dirá o leitor. Sim, isto mesmo, e que constituiu o substrato do homem que me tornei.
Detalhe de "Saudade", tela de Almeida Júnior. Pinacoteca do Estado de São Paulo. |
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