quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Pãezinhos de Santo Antônio

Comprei pãozinhos na igreja de Santo Antônio, na igreja construída no local onde nasceu o santo, no bairro Alfama, em Lisboa. Fiz menção de comer o pãozinho na hora e fui avisado que tomasse cuidado. “Uma senhora quebrou a chapa”, falou o homem que vendia os pãezinhos. Um sujeito divertido. Na frente da porta da igreja, de pé ao lado de uma grande mesa, cheia de pães e objetos de devoção, o homem explicava o que era preciso fazer. Ele ensacava os pães, recolhia o dinheiro, e não deixava de falar na devoção, nas crenças e ritos que envolvem o santo.


Não podia comprar um só, ele explicava. Precisava levar no mínimo dois. Um eu podia comer no dia, mas molhando no leite ou na sopa. “Cuidado, os pãezinhos são duros.” O homem falava e ria. O outro era para guardar em casa e comer um ano depois (sim, um ano depois), fazendo uma oração, um pedido. "A coisa não falha." O homem ria um riso bom de devoto, de quem sabe misturar as coisas do mundo profano com as do sagrado e fazer disso um poema de religiosidade.


Eu estava zonzo e não entendia direito o que se passava. Lembrava da minha avó, da minha infância... Estava em Lisboa e em Pelotas. Quando era criança, via a vó chegar da igreja com uns pãezinhos dentro da bolsa e os distribuir dizendo que tinham sido abençoados. Era dia de Santo Antônio. Meus irmãos e eu comíamos sem receio algum de quebrar um dente e acreditávamos que alguma coisa boa pudesse acontecer. Eu acreditava. Então comia devagarinho - e só o que lembro é que eram muito macios aqueles pãezinhos.
De alguma maneira, era isso que queria repetir ali, na igreja de Santo Antônio, no lugar onde nasceu o santo. Repetir uma experiência de infância. Mas fiquei na vontade. Tive medo de quebrar um dente e guardei os dois pãezinhos na mochila. Depois, no hotel, acomodei-os na mala e ainda pouco rearranjei-os entre as roupas e presentes, preparando a bagagem para voltar ao Brasil.
Com cuidado, estou levando os pãezinhos para casa, para comê-los na mesa da cozinha, junto com meu filho. Imagino que vamos molhá-los numa sopa, que abrirei um vinho tinto e, da minha parte, a única oração será a lembrança da infância e daquele jeito infantil de acreditar nas coisas. E será um milagre se a esperança experimentada naqueles "verdes anos" vier me visitar novamente. Se acontecer, direi que é coisa do santo. Que ele não falha. Coisas do Sant'Antoninho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário