D. João V, rei de Portugal entre 1706 e 1750, não
poupava dinheiro quando se tratava das coisas da Igreja. Pensei nisso sentado
num dos bancos da igreja de São Roque, em Lisboa, assistindo a um concerto de música sacra com composições dos séculos XVII e XX. Um espetáculo sóbrio, comparado
aos que o rei D. João patrocinou naquele mesmo local.
Interior da Igreja de São Roque. Capelas laterais. |
Na época de D. João V, a igreja de São Roque pertencia
aos jesuítas e o rei mandou construir no seu interior uma capela luxuosíssima
dedicada a São João Batista. A capela foi feita na Itália, “o maior viveiro das
artes”, mas com orientações precisas do rei e do arquiteto-ourives da corte
portuguesa (um detalhe importante para entender a pouca sensualidade da obra e
a preponderância de um barroco mais clássico, menos dado ao gozo dos sentidos como era próprio do barroco italiano do período). Depois de ser sagrada pelo
papa, a capela foi desmontada, enviada a Portugal em três naus e remontada onde
hoje se encontra. Assisti ao concerto sentado próximo a Capela de São João
Batista e usufrui um e outro espetáculo.
D. João governou “à sombra do ouro que chegava do
Brasil” (uma média de oito toneladas ao ano) e não sabia o que era controlar
gastos. Além dessa capela mandou construir o Convento de Mafra e a Biblioteca Joanina (na Universidade de Coimbra), isso para ficar em apenas mais
dois exemplos de realizações grandiosas do seu reinado. Considerado o Rei Sol
da monarquia portuguesa, esse título dá conta do investimento em ostentação que
o soberano fazia.
Objetos litúrgicos da Capela de S. João Batista, expostos no Museu de São Roque. |
Saí satisfeito do concerto, naquela noite, e desci a
Rua da Misericórdia em direção ao Chiado. No caminho lembrei de Madre Paula, “a
carne gloriosa”, “a flor de claustro perfumada de incenso”, que encantou a vida
do rei durante treze anos. Em relação a ela, D. João V também não poupou
dinheiro algum. Quando a conheceu, ela era freira no Convento de Odivelas e
amante de um conde. O rei a negociou com o conde e consta que ela não reclamou.
Pelo contrário, arrogante, passou a exercer até com crueldade o poder que a condição
de preferida do rei lhe dava. D. João mandou construiu aposentos luxuosos para
ela (no convento), com muito ouro, prata, e nove criados para servi-la. Madre
Paula usufruiu esses benefícios mesmo quando deixou de ser amante do rei e,
provavelmente, utilizou até o fim da vida a lendária banheira de prata maciça
(100 kg de prata) presenteada pelo soberano.
Afirmam os historiadores que a colaboração entre a
Coroa e a Igreja atingiu picos elevados durante o reinado de D. João V. O rei
não poupava esforços para engrandecê-la, tinha gosto pelas cerimônias
litúrgicas espetacularizadas e as utilizava para afirmação do seu poder. Do
mesmo modo, sabia usufruir com requintes “as flores adocicadas” que o claustro
é capaz de fornecer. Além de Madre Paula, sabe-se da existência de outra freira
do mesmo convento que foi amante do rei: Madalena de Miranda. Com ambas o rei
teve filhos, os quais foram reconhecidos após sua morte. Um deles se tornou
arcebispo de Braga; o outro, inquisidor-geral do Reino. Coisas da Igreja e da monarquia portuguesa que um
reles turista não compreende muito bem, mas, nem por isso, deixa de usufruir com prazer.
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