A Companhia das Letras acaba de lançar o último romance de Leonardo Brasiliense, intitulado Roupas sujas. Uma “saga familiar” (como está indicado na
contracapa) ambientada na zona colonial italiana do Rio Grande do Sul. O romance anterior de Leonardo (publicado pela Editora Saraiva) também é ambientado na
mesma região: Decapitados. Mas as
duas obras poderiam se passar no sertão pernambucano ou no litoral paulista que
não faria muita diferença. Afinal, “as famílias são eternas”, diz um dos
quatros narradores desse último livro. Famílias são como uma equação e funcionam de modo muito semelhante em
qualquer lugar: os elementos da operação são os mesmos e infinitas as suas
variações.
Num caso – em Decapitados
– é a cabeça do Pai da comunidade que sumiu (a cabeça do pai, já defunto,
colocada como relíquia numa capela). No outro caso – nesse último romance, Roupas sujas – é a Mãe o elemento
central. A Mãe morre e deixa a família (o marido e sete filhos) obrigados a se
reorganizarem. Pai, Mãe e filhos são peças de um jogo infinito, eterno, e haja
talento para lidar com isso. Como o talento é escasso, sobra jogadas infelizes
e é com esse material que Leonardo Brasiliense opera para deleite dos seus
leitores.
O resultado são essas Roupas sujas familiares, compostas por quatro narradores: três
deles membros dessa família infeliz que perde a Mãe num parto mal sucedido (morre a Mãe, sobrevive a criança) e um
quarto narrador não identificável, mas nem por isso menos importante para o
andamento e desfecho da narrativa. A Mãe morre num parto sem assistência médica
(a Medicina era luxo na região colonial italiana, na década de 1970) e mais de
vinte anos depois um filho romancista reconstitui o drama familiar decorrente
dessa morte (a primeira parte do romance, a mais longa). Uma das filhas
(professora) escreve cartas ao irmão escritor (a segunda parte do romance,
menos extensa que o anterior), tendo como mote o romance escrito pelo irmão a
respeito dos desdobramentos da morte da Mãe. E um outro filho (aquele que
nasceu no parto em que a Mãe morreu) escreve um sucinto diário, às vésperas de
ser ordenado padre, relatando seu comovente drama de culpa e sacrifício.
Famílias exigem sacrifícios para se perpetuarem e
possibilitarem a continuidade da vida e Pedro cumpre esse ritual, se oferecendo em holocausto, isto é, ao sacerdócio. Famílias exigem corpos e mentes ardendo em sofrimento,
especialmente nas dores da culpa. Ou, pelo menos, tem sido assim que a maioria
de nós tem operado e é dentro dessa longa tradição de dor e de culpa que
Leonardo Brasiliense arma esse magnífico e curto romance. Uma peça de dor e de
culpa, muito próxima do compasso de uma tragédia.
Mas o último narrador – o
narrador indefinido, que intervém na narrativa por meio de notas de rodapé –
indica que a coisa poderia ser contada de outra maneira, próxima ao ritmo de um
samba, quem sabe. Afinal, “as
famílias são eternas”, ele afirma, e isso as torna “muito difícil de
compreender”. Talvez nem seja possível, eu acrescentaria, mas nem por isso
deixamos de empreender a dolorosa tarefa de mergulhar e procurar algum sentido nas
roupas sujas dos dramas familiares.
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