O mundo do grafite se tornou tema de romance policial
em O sniper paciente, de Arturo
Pérez-Reverte (Editora Record, 2017, 222 p.). Um mundo que o romancista explora
tanto nas suas possibilidades de intriga policial (possibilidades abertas pela preferência
dos grafiteiros pelas ações ilegais) quanto pelas discussões artísticas e éticas que provoca no campo cultural. Como diz uma personagem do livro (Alejandra
Varela, doutora em arte), “o grafite é o ramo artístico ou vandálico [...] da cultura do hip-hop” – uma tendência artística surgida no final dos
anos 60, nos Estados Unidos, e com larga difusão na Europa (em especial na
Espanha, onde inicia o romance).
Em 2012, uma especialista em arte – Alejandra Varela,
34 anos, lésbica – é contratada por um editor de livros de luxo para entrar em
contato com um grafiteiro que se mantem sob anonimato. O apelido do artista procurado
é Sniper e tanto o editor quanto a especialista pouco sabem a respeito dele,
mas conhecem e admiram sua obra, seja pelos aspectos artísticos, seja pelos mercadológicos.
O projeto do editor é fazer um livro-catálogo das obras de Sniper, realizar
exposições no Tate Modern (Londres) e no MoMA (Nova Iorque), articuladas com
galeristas já em contato com investidores em obras de arte. Em
resumo, o editor planeja pôr em funcionamento uma prática habitual do sistema de
arte – fazer o cartaz de um artista plástico com exposições em grandes
museus e, na sequência, faturar com a venda das suas obras – e a doutora em
arte aparentemente aceita o jogo.
O editor paga bem e Alexandra Varela (a especialista
em arte) realiza a sua busca por Sniper hospedando-se em hotéis de diárias de
300 euros a partir de Madri, em Lisboa, Verona, Roma e Nápoles. Um circuito por
locais sofisticados – no primeiro capítulo, o encontro do editor e a doutora acontece
no Museu Reina Sofia, em Madri, tendo ao fundo uma escultura de Calder –,
intercalado com cenas noturnas nas mesmas cidades, com grafiteiros de mochilas
cheias de latas de spray colocando em prática suas ações artísticas e/ou
vandálicas em paredes de prédios, túneis de metrô e em vagões de trem. Como
disse o amigo que me emprestou o livro (Ronaldo Lippold), “a coisa é escrita de
tal jeito que vai virar filme”.
Sniper, o grafiteiro procurado, encarna o artista
guerrilheiro, contrário a arte que se envolve nas “perversões do mercado” e
entende o seu trabalho como “ácido imaginário” jogado na cara dos contentes –
uma arte que só é válida enquanto se mantiver na ilegalidade. “Se é legal, não
é grafite”, ele proclama, desenhando os muros da cidade moderna (“envenenada” pela
poluição dos carros, das fábricas, e cartazes de propaganda) como verdadeiro
campo de batalha.
Sniper também opera nas redes sociais e provoca os grafiteiros
que o admiram (geralmente adolescentes – Sniper tem 40 anos) a ações ousadas e perigosas que muitas vezes resultam em acidentes mortais. Os pais e as amantes dos
jovens grafiteiros mortos não esquecem as provocações de Sniper e isso dá um
tempero a mais ao romance. Isto é, não são apenas um editor de livros de luxo e
uma especialista em arte que querem entrar em contato com o grafiteiro anônimo...
Divertimento garantido.
Obs.:
Entre as ideias de Sniper para provocar os grafiteiros europeus estava a de “pintar o
costado desse transatlântico que encalhou na costa da Itália”. Como esse
encalhe famoso (o do Costa Concordia) ocorreu em janeiro de 2012 e a publicação do romance se deu em 2013, pode-se datar o
tempo da narrativa entre essas duas datas.
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