domingo, 13 de outubro de 2013

Corcovado

         Na primeira vez que fui ao Rio de Janeiro, era julho e cheguei de ônibus. Viajava com uma colega de faculdade e fomos parando em Garopaba, São Paulo, e depois do Rio seguimos para Ouro Preto.
No percurso entre São Paulo e Rio fazia muito frio e tomei um conhaque para esquentar. Ao chegar, no entanto, o calor era grande e fomos à praia.
Coisa de gaúcho, me disseram depois. Só gaúcho para achar quente o mês de julho e encarar um mergulho em Ipanema.
Sim, foi em Ipanema que tomamos banho. Passou por nós um garotão com jeito de surfista, cabelo clareado artificialmente e minha amiga perguntou:
– Parafina?
– Não. Meu cabelo é assim mesmo – ele respondeu.
Minha amiga se virou para mim e comentou que ele mentia descaradamente. 
– Bem coisa de carioca – ela falou.
Logo adiante, estava o bar onde o Vinicius de Moraes compusera “Garota de Ipanema”, mas não entramos para beber um chope. A grana era curta.
Julho de 1975. Na mochila, eu trazia um exemplar do jornal Movimento, que recém começara a ser editado. Sinal de uma nova conjuntura política no país: “a abertura lenta, gradual e segura” que o presidente Geisel propagandeava e que não entendíamos direito.
Minha amiga se hospedou em casa de parentes e eu também fiquei no apartamento de uns tios, no Flamengo. Meu primo tinha 16 anos, era nadador e mulato  - e eu fiquei me perguntando de onde ele tirara aquela cor de pele, se o pai e a mãe dele eram brancos...
Naquela semana, fiquei sabendo que tinha sangue negro na família. Uma bisavó (do lado materno) tivera três filhos com um mulato baiano e o cara a deixara uns anos depois. A bisa casou novamente, com um engenheiro italiano, e o novo marido perfilhou os filhos dela e ficou declarado que todos eram dele. O caso da bisa com o mulato foi apagado da história e na minha casa não se tocava no assunto.
Minha tia achou muita graça o fato de eu ignorar esse lado da família.
– Bem coisa de gaúcho. Carioca não é disso não. Carioca não dá bola – ela comentou.
Um dia a tia serviu uma feijoada no almoço e avisou que tinha feito um feijão normal para mim. Respirei aliviado. O tio comentou que gaúcho não entendia como se comia feijoada no Rio, com tempo quente e tudo mais. Eu disse que não entendia mesmo. Ele bebeu cachaça no início da refeição, acompanhou a feijoada com cerveja, suou e secou o suor com uma toalha que matinha em cima da mesa e, animado, disse para o filho me levar ao Corcovado.
– É o lugar mais bonito do Rio. Uma vista inesquecível. Não dá pra perder.
Contrariado, meu primo me levou naquela tarde mesmo. Íamos pegar um trenzinho para subir o morro, o trem ia demorar e ele achou melhor subirmos de táxi.
A única coisa que lembro do passeio é a viagem de táxi até o alto do Corcovado. O carro dando voltas e voltas e eu ficando enjoado, enquanto meu primo, de mau humor, olhava fixo para frente. Não recordo a vista maravilhosa que o alto do Corcovado proporciona. Havia um sol forte, um calorão tremendo, e ficamos sentados nos degraus do Cristo Redentor, sem ânimo para olhar a paisagem e descobrir a imensidão do Rio ou coisa parecida.
Muitos anos depois, quando visitava o Cemitério São João Batista – para apreciar os belíssimos monumentos funerários que ali se encontram – olhei para o alto e avistei o Corcovado. Lembrei daquela tarde ensolarada, mais de trinta anos atrás.
Talvez um dia eu volte ao alto do Corcovado e descubra e aprecie a vista inesquecível que se tem lá de cima.

4 comentários:

  1. Que legal, professor!
    E que memória boa o senhor tem, descrevendo os detalhes.
    Isso acho bacana, utilizar o que vemos, vivenciamos e sentimos na literatura.

    Grande abraço,
    Thaís

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    1. Obrigado pela leitura e comentário, Thaís.
      Viajar ao Rio de Janeiro com 19 anos é coisa que a gente não esquece!

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  2. Estive no Corcovado em 86. Na época Gabeira era candidato a governador pelo PV. A vista lá de cima é magnífica...

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  3. Entre 1975 e 1986, como o Brasil mudou, não é mesmo?
    Gabeira exilado e depois de volta ao Brasil, atuando na cena política...
    Da minha parte, fui apenas um espectador dessa transformação.

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