Na primeira vez que
fui ao Rio de Janeiro, era julho e cheguei de ônibus. Viajava com uma colega de
faculdade e fomos parando em Garopaba, São Paulo, e depois do Rio seguimos
para Ouro Preto.
No
percurso entre São Paulo e Rio fazia muito frio e tomei um conhaque para
esquentar. Ao chegar, no entanto, o calor era grande e fomos à praia.
Coisa
de gaúcho, me disseram depois. Só gaúcho para achar quente o mês de julho e
encarar um mergulho em Ipanema.
Sim,
foi em Ipanema que tomamos banho. Passou por nós um garotão com jeito de
surfista, cabelo clareado artificialmente e minha amiga perguntou:
–
Parafina?
–
Não. Meu cabelo é assim mesmo – ele respondeu.
Minha
amiga se virou para mim e comentou que ele mentia descaradamente.
– Bem coisa de carioca – ela falou.
– Bem coisa de carioca – ela falou.
Logo
adiante, estava o bar onde o Vinicius de Moraes compusera “Garota de Ipanema”,
mas não entramos para beber um chope. A grana era curta.
Julho
de 1975. Na mochila, eu trazia um exemplar do jornal Movimento, que recém começara a ser editado. Sinal de uma nova
conjuntura política no país: “a abertura lenta, gradual e segura” que o presidente
Geisel propagandeava e que não entendíamos direito.
Minha
amiga se hospedou em casa de parentes e eu também fiquei no apartamento de uns
tios, no Flamengo. Meu primo tinha 16 anos, era nadador e mulato - e eu fiquei me
perguntando de onde ele tirara aquela cor de pele, se o pai e a mãe dele eram
brancos...
Naquela
semana, fiquei sabendo que tinha sangue negro na família. Uma bisavó (do lado
materno) tivera três filhos com um mulato baiano e o cara a deixara uns anos depois.
A bisa casou novamente, com um engenheiro italiano, e o novo marido perfilhou
os filhos dela e ficou declarado que todos eram dele. O caso da bisa com o mulato
foi apagado da história e na minha casa não se tocava no assunto.
Minha
tia achou muita graça o fato de eu ignorar esse lado da família.
–
Bem coisa de gaúcho. Carioca não é disso não. Carioca não dá bola – ela
comentou.
Um
dia a tia serviu uma feijoada no almoço e avisou que tinha feito um feijão
normal para mim. Respirei aliviado. O tio comentou que gaúcho não entendia como
se comia feijoada no Rio, com tempo quente e tudo mais. Eu disse que não
entendia mesmo. Ele bebeu cachaça no início da refeição, acompanhou a feijoada com
cerveja, suou e secou o suor com uma toalha que matinha em cima da mesa e,
animado, disse para o filho me levar ao Corcovado.
–
É o lugar mais bonito do Rio. Uma vista inesquecível. Não dá pra perder.
Contrariado,
meu primo me levou naquela tarde mesmo. Íamos pegar um trenzinho para subir o
morro, o trem ia demorar e ele achou melhor subirmos de táxi.
A
única coisa que lembro do passeio é a viagem de táxi até o alto do Corcovado. O
carro dando voltas e voltas e eu ficando enjoado, enquanto meu primo, de mau
humor, olhava fixo para frente. Não recordo a vista maravilhosa que o alto do
Corcovado proporciona. Havia um sol forte, um calorão tremendo, e ficamos
sentados nos degraus do Cristo Redentor, sem ânimo para olhar a paisagem e descobrir
a imensidão do Rio ou coisa parecida.
Muitos
anos depois, quando visitava o Cemitério São João Batista – para apreciar os
belíssimos monumentos funerários que ali se encontram – olhei para o alto e avistei o
Corcovado. Lembrei daquela tarde ensolarada, mais de trinta anos atrás.
Talvez
um dia eu volte ao alto do Corcovado e descubra e aprecie a vista inesquecível
que se tem lá de cima.
Que legal, professor!
ResponderExcluirE que memória boa o senhor tem, descrevendo os detalhes.
Isso acho bacana, utilizar o que vemos, vivenciamos e sentimos na literatura.
Grande abraço,
Thaís
Obrigado pela leitura e comentário, Thaís.
ExcluirViajar ao Rio de Janeiro com 19 anos é coisa que a gente não esquece!
Estive no Corcovado em 86. Na época Gabeira era candidato a governador pelo PV. A vista lá de cima é magnífica...
ResponderExcluirEntre 1975 e 1986, como o Brasil mudou, não é mesmo?
ResponderExcluirGabeira exilado e depois de volta ao Brasil, atuando na cena política...
Da minha parte, fui apenas um espectador dessa transformação.