A
história começa no final da década de 1950, em Porto Alegre.
Clotilde tem 16 anos e mora no bairro Moinhos de Vento. Um
dia ela bate os olhos num rapagão de 32 anos, fazendeiro, e acha que ele é o
cara da sua vida. Está cansada de viver com papai e mamãe, e também das
pressões do mundo escolar. Imagina que será “a rainha de 62 quadras de
sesmaria”, mas termina comendo o pão-que-o-diabo-amassou desde a primeira noite
de núpcias. O noivo foi com muita sede ao pote, na primeira noite, e a moça ficou
a ver navios.
Clotilde
engravida logo e tem uma menina. Quando engravida pela segunda vez, o marido
diz esperar que ela tenha vergonha na cara e lhe dê um macho. Clotilde deseja
com todas as suas forças que seja outra menina e, quando nasce um menino, ela rejeita
o filho. Na seqüência, apanha um bocado. Um dia leva
uma surra tão grande (o marido a pega transando com outro) que o médico que a
costura chega a achar que ela não vai se recompor. Mas Clotilde é um “animalzinho”,
como diz a avó, e se recupera. Ela foge do marido, perde a guarda das crianças
e passa o resto da vida procurando se reerguer e construir uma vida própria,
autônoma.
Mas
como Clotilde não tem nenhuma habilidade profissional, sua saída termina sendo
a de gravitar em torno de homens abastados e estabelecer com eles contratos
proveitosos. Quando escasseiam esses homens, ela atua como “companhia para executivos”
e vai levando. Até o dia em que encontra um homem amoroso, cheio de paciência,
que tolera os seus rompantes e agonias, casa-se com ele e passa a criar flores
numa chácara de Belém Novo.
Clotilde,
como o leitor pode perceber, é uma personagem de folhetim – um folhetim escrito
por Sérgio Jockymann e publicado em 1982: Clô
Dias & Noites. Clô / Clotilde é uma personagem desconcertante e que me
parece ser emblemática dos dilemas da condição feminina.
Clotilde
se submete a um psicanalista, mas não tem muita paciência para mergulhar na
longa noite da sua decisão juvenil, isto é, o casamento com um poderoso fazendeiro
de 32 anos. A única explicação que a personagem tem para o seu caso é de que
ela foi criada unicamente para casar e ser esposa... E ela, por que se adequou
a esse papel, a essa função tradicional das mulheres burguesas?
Como
boa personagem de folhetim, Clotilde não faz muita investigação psicológica. E
o narrador, por sua vez, não perde tempo analisando a pobre moça, e desenvolve,
isto sim, uma narrativa trepidante, com muita ação, suspense e viradas
surpreendentes. Uma trama com muito sexo, intriga, dinheiro e poder, machos
violentos e mulheres sofridas. Não se trata de um bom romance (algumas incongruências, estrutura frouxa), mas é
folhetim, ora bolas, e, pelo menos para leitores que se amarram numa trama mirabolante e dramática, ou em personagens vibrantes, o interesse na leitura
permanece até o final.
O
romance foi publicado no início dos anos 80, num contexto em que as feministas
faziam estardalhaço em função da tradicional prática do Judiciário brasileiro
em absolver maridos que matavam em defesa da honra. Nessa época, numa
manifestação do Centro de Professores (CPERS) na frente do Palácio Piratini,
ouvi uma colega me falar de Clô Dias
& Noites, ao comentar a “questão feminina na sociedade patriarcal”.
Matei a curiosidade em relação ao livro, semanas atrás, e a leitura. Bom
entretenimento, para quem tiver paciência com uma narrativa de 530 páginas. De
quebra, o retrato de uma mulher que se acha treinada unicamente para agradar
um homem e parir filhos, e que se rebela contra a “educação feminina para o
casamento”.
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