segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Aristocracia pelotense


Nos últimos anos de vida, dona Amélia gostava de falar que era neta de barão. E, por esse motivo, que era baronesa também. Dona Amélia não entendia que os títulos nobiliárquicos do Império brasileiro não passavam de pai para filho, muito menos de avô para neta, e, como não havia pessoa alguma que pudesse convencê-la do contrário, ela sentia-se uma das raras representantes da nobreza em pleno século XX.  
Era início dos anos 90, havia a campanha para decidir sobre o regime político brasileiro, o filho mais velho defendia a causa monarquista e talvez isso tenha mexido com as fantasias da velhinha. Um retorno à Monarquia e o restabelecimento dos títulos nobiliárquicos era tudo que ela sonhava.
Em plena era da ruptura neoliberal, provocada pelo breve governo de Fernando Collor, dona Amélia sentia-se a defensora de um passado seguro diante de um futuro incerto. Ela sentava-se na sacada do prédio de apartamentos onde morava, em Pelotas, olhava a multidão andar pelas ruas e comentava:
– Gente sem eira nem beira. Pobre gente a espera de um Pai...
Um único neto escutava as suas histórias mirabolantes, envolvendo guerras na Cisplatina, no Paraguai, o fausto proporcionado pelas charqueadas e o gênio do grande tribuno Gaspar Silveira Martins.
– Uma velhinha nostálgica do Império, que se sentia injustamente esquecida pelo mundo, apesar de tratada a pão de ló – me contou o neto, acrescentando que o drama da avó sempre lhe tocou profundamente.
– A história da velha talvez desse um conto – dizia ele. – Uma velhinha que falava do tempo do Imperador e sentia ganas da modernidade republicana. Minha vó era isto no final da vida. Acompanhava com vivo interesse o plebiscito para decidir entre a República e a Monarquia, e, mesmo entrevada, fez questão de ser conduzida até à urna. Votou e morreu semanas depois.
Quem me contou a história foi o neto, anos mais tarde, num verão na praia do Cassino. Estávamos num restaurante de hotel, nós dois professores de História, conversando sobre Pelotas – as charqueadas, a decadência econômica, as famílias que um dia foram poderosas e até hoje alimentam sonhos de grandeza – e nisso entrou o caso de dona Amélia.
A avó do meu colega, provavelmente, é um tipo emblemático desse drama pelotense que fascina alguns de nós. A cidade ainda tem fumos de grandeza e lida mal com a perda dessa condição. A dinâmica econômica sul-rio-grandense pisoteou suas pretensões, mas ficaram vestígios de um tempo de maior prosperidade. Dona Amélia sintetizou tudo isso numa fantasia monarquista e talvez tenha morrido convicta de ser uma baronesa.
– Uma grande dama – comentava o neto. – Quem sabe uma personagem machadiana, dessas que revelam, com melancolia, os segredos da alma humana.

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