Nos últimos anos de vida, dona Amélia gostava de falar
que era neta de barão. E, por esse motivo, que era baronesa também. Dona Amélia
não entendia que os títulos nobiliárquicos do Império brasileiro não passavam
de pai para filho, muito menos de avô para neta, e, como não havia pessoa
alguma que pudesse convencê-la do contrário, ela sentia-se uma das raras
representantes da nobreza em pleno século XX.
Era início dos anos 90, havia a campanha para decidir
sobre o regime político brasileiro, o filho mais velho defendia a
causa monarquista e talvez isso tenha mexido com as fantasias da velhinha. Um
retorno à Monarquia e o restabelecimento dos títulos nobiliárquicos era tudo
que ela sonhava.
Em plena era da ruptura neoliberal, provocada pelo breve
governo de Fernando Collor, dona Amélia sentia-se a defensora de um passado
seguro diante de um futuro incerto. Ela sentava-se na sacada do prédio de
apartamentos onde morava, em Pelotas, olhava a multidão andar pelas ruas e comentava:
– Gente sem eira nem beira. Pobre gente a espera de um
Pai...
Um único neto escutava as suas histórias mirabolantes,
envolvendo guerras na Cisplatina, no Paraguai, o fausto proporcionado pelas
charqueadas e o gênio do grande tribuno Gaspar Silveira Martins.
– Uma velhinha nostálgica do Império, que se sentia
injustamente esquecida pelo mundo, apesar de tratada a pão de ló – me contou o
neto, acrescentando que o drama da avó sempre lhe tocou profundamente.
– A história da velha talvez desse um conto – dizia ele. – Uma velhinha que falava do tempo do Imperador e
sentia ganas da modernidade republicana. Minha vó era isto no final da vida. Acompanhava
com vivo interesse o plebiscito para decidir entre a República e a Monarquia,
e, mesmo entrevada, fez questão de ser conduzida até à urna. Votou e morreu semanas depois.
Quem me contou a história foi o neto, anos mais tarde, num
verão na praia do Cassino. Estávamos num restaurante de hotel, nós dois
professores de História, conversando sobre Pelotas – as charqueadas, a
decadência econômica, as famílias que um dia foram poderosas e até hoje alimentam sonhos de grandeza – e nisso entrou o caso de dona Amélia.
A avó do meu colega, provavelmente, é um tipo
emblemático desse drama pelotense que fascina alguns de nós. A cidade ainda tem
fumos de grandeza e lida mal com a perda dessa condição. A dinâmica econômica
sul-rio-grandense pisoteou suas pretensões, mas ficaram vestígios de um
tempo de maior prosperidade. Dona Amélia sintetizou tudo isso numa fantasia monarquista
e talvez tenha morrido convicta de ser uma baronesa.
– Uma grande dama – comentava o neto. – Quem sabe uma
personagem machadiana, dessas que revelam, com melancolia, os segredos da alma
humana.
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