Estava na Rua Sarandi, em Rivera, e resolvi comprar
meias de um camelô de calçada.
Se o leitor conhece Rivera, sabe que eu estava na
principal rua de uma área de freeshops,
na fronteira do Uruguai com Rio Grande do Sul, famosa por oferecer as mais prestigiadas
grifes de perfumes, bebidas, tênis e produtos eletrônicos. Era uma manhã de
movimento, uma multidão circulava visivelmente satisfeita, e a última coisa que
um bem informado consumidor de classe média pensava... era no comércio informal
dos camelôs.
Mas eu não sou um consumidor bem informado e prestava
atenção no trabalho incansável que os vendedores ambulantes faziam: oferecer
mercadorias a consumidores ávidos, que os ignoram solenemente. Eu imaginava o
que eles pensariam desses brasileiros sedentos por marcas estrangeiras e
resolvi me aproximar. Isto é, comprar um conjunto de meias e quem sabe dizer
que alguns de nós, consumidores de classe média, somos capazes de interagir com
este setor do comércio ou algo assim.
Então, justo na hora em que coloco a mão no bolso, vem
um homem baixo, humilde, me pedir alguma coisa. O camelô manda este homem
embora. “Estou trabalhando”, ele diz. Eu percebo que o sujeito está querendo auxílio
(mostrava uma carta explicando sua condição de ex-dependente químico) e também falo para se afastar. O
homem sai resmungando e escuto o seu comentário:
– Esses sujeitos compram, compram e não conseguem dar
dinheiro pra quem precisa!
Sim, eu não o ajudara. Gastara em perfumes, vinhos, um
conjunto de meias e não dispensara um mísero real para aquele homem que
anunciava estar em fase de reabilitação e precisava de auxílio.
Mas não me abalei com o pedido do homem e nem com a minha atitude
“desumana”. Paguei as meias ao jovem camelô – que tinha uma barba
preta, como eu usara tempos atrás – e as tenho vestido nos últimos dias.
Não são meias de muita qualidade e uma delas já furou.
Não são como os excelentes tênis Nike, confeccionados no Vietnam, e vendidos
nos freeshops. Mas talvez tenham
vindo do Oriente também. De alguma fábrica de Hanói, Xangai ou de Taiwan.
Mercadorias que atravessam o Atlântico e auxiliam a compor o cenário por onde
circulam consumidores das mais variadas espécies. Alguns, até com sintomas de
má consciência.
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