O Irmão Zeno entrava na sala de aula com o livro
debaixo do braço. Subia no estrado e mandava abrirmos na página tal. Nós, alunos
da terceira série ginasial, seguíamos a orientação do professor e depois, quietos,
escutávamos a leitura e os comentários que ele fazia sobre a história de Roma.
Ele era velho e gordo, baixinho e empertigado. Há muito
tempo deixara a sala de aula e se dedicava ao setor administrativo do colégio. Na
metade do ano, o professor de História adoeceu e ele veio substituí-lo. Seria
por pouco tempo, nos adiantou o diretor, e logo descobrimos o motivo. Irmão Zeno
não lembrava mais a matéria. Lia pausadamente e com voz monótona os capítulos
do livro e levava algum tempo para dizer onde ficava Cartago e qual o caminho
que Aníbal fizera para chegar até a península itálica e surpreender os romanos.
Um dia, no entanto, a sua voz se alterou, ele se entusiasmou
e fechou o livro para nos dizer que Cícero, este sim, este fora um grande
romano e um nome eterno na literatura. Cícero, autor de discursos contundentes,
que um dia o Irmão Zeno soubera em latim e hoje, infelizmente, sabia apenas em português. E recitava,
andando em cima do estrado, apontando o dedo para uma figura imaginária num
canto da sala:
– Até quando, ó Catilina, abusarás de nossa paciência?
Aonde irão parar os arrebatamentos dessa audácia desenfreada? Ó tempos! Ó
costumes! O Senado conhece tuas artimanhas.
Irmão Zeno se transformava, a voz perdia o tom
monocórdio, e nos perguntávamos se teria sido assim que o velho Cícero acusara a conspiração
de Catilina... Vivíamos o ano de 1969 e o professor nos alertava que também a República brasileira enfrentava seus detratores nas palavras e ações de “agitadores
treinados em Cuba”.
Semanas depois chegou o novo professor – o único leigo
a lecionar naquele colégio marista – e as aulas passaram a ter outro
ritmo. Uma aula normal, dizíamos. O novo professor explicava a transformação da
República em Império – o Senado e o povo cansados das guerras civis – e não "vituperava" contra os inimigos do Estado e da sociedade tradicionais.
Pensando bem, só o Irmão Zeno para dramatizar a crise
da República romana e indicar a um bando de meninos o que é a violência das
lutas pelo poder:
– Nem a guarda que vela à noite no monte Palatino, nem
os postos de soldados espalhados na cidade, nada te desconcerta, Catilina. Até
quando abusarás de nossa paciência? Ó tempos, ó costumes!
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