quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Esquina Maldita


Uma das boas surpresas dessa última Feira do Livro, em Porto Alegre, foi o lançamento do livro Esquina Maldita, de Paulo César Teixeira (Editora Libretos, 210 p.). Uma investigação jornalística a respeito dos bares que existiram na esquina da Rua Sarmento Leite com a Avenida Osvaldo Aranha, entre as décadas de 1960 e 1980: Alaska, Estudantil, Copa 70 e Marius.
O Bar Alaska, pioneiro, foi criado em 1965, e na seqüência surgiram os outros três. Os cursos da UFRGS funcionavam nas imediações e esses bares passaram a reunir a juventude universitária. A Esquina foi o point da esquerda estudantil e, ao longo dos 70, agregou também uma outra juventude, nem tão engajada politicamente, isto é, nem tão inserida nos partidos políticos (ou organizações clandestinas) e mais adepta das políticas do corpo, das drogas, das práticas alternativas e coisas assim.
O autor entrevistou os donos dos bares, historiou cada um dos estabelecimentos e também procurou os seus frequentadores mais ilustres: a Nega Lu, a Lucrécia, o casal Chico Daniel e Bete Portugal, entre eles. Talvez as figuras mais emblemáticas do que se considerava ousadia nos anos 70: a postura homossexual assumida, no caso da Nega Lu e Lucrécia; o casamento aberto, no caso de Chico e Bete.
Significativamente, o livro é dedicado a duas figuras emblemáticas da Esquina: Isake Plentis, o garçom do Alaska, e Joãozinho (João Alberto Figueiró), estudante de Ciências Sociais (depois professor), um freqüentador assíduo. Ambos morreram há pouco tempo e não seria exagero dizer que simbolizam a fauna do lugar: Isake, um trabalhador, garçom atencioso, e Joãozinho, o boêmio solitário, bom de copo e ótimo papo.
Como bem afirma o autor, a droga mais utilizada na Esquina era o álcool, mas as outras drogas (ilegais) também circulavam. Maconha, seguramente, a mais utilizada, mas que não era fumada no interior dos bares, só na rua. Havia uma turma que usava drogas injetáveis, mas eram poucos, muito poucos, e se picavam nas imediações. Uma turma que arrancou do escritor Caio Abreu um comentário exagerado: “Isso aqui parece Amsterdam”. Exagerado porque, na maioria, os frequentadores eram apenas adeptos do álcool e grandes conversadores. Não havia música nos bares – tirando as apresentações eventuais da Nega Lu, no Estudantil – e se conversava muito, muitíssimo, assim como se namorava também.
Quanto ao quesito namoro e sexo, muito boa a investigação do autor a respeito dos recintos reservados do Estudantil. Diz a lenda que ali rolava sexo entre os casais, mas o autor não encontrou comprovação. Pura lenda. Apenas amassos, abraços e beijos, e mãos e pernas pra lá e pra cá.
Paulo César Teixeira, autor do livro, faz uma boa história da Esquina e das diferentes gerações que perambularam pelos bares. A turma mais militante dos anos 60 e início dos 70, e a turma mais voltada às práticas alternativas, no final dos 70 e início dos 80. Segundo o autor, “um gueto de boemia com vida intelectual inquieta e independente, cujos protagonistas foram testemunhas e artífices do surgimento de uma cultura urbana contemporânea.” “Muitas idéias que circulavam nas conversas se transformaram em realidade nos anos 2000”, conclui o autor.
Uma avaliação serena e otimista das tantas conversas & delírios que rolaram naqueles bares. Aquele antro de "proselitismo e porra-louquice" abrigou projetos e ousadias - no campo das artes, da cultura e do comportamento - que hoje estão consolidados na vida porto-alegrense. Segundo um dos entrevistados, por ali passou uma revolução e a coisa até deu certo. Pode crer.

Um comentário:

  1. Vitor. Andando por POA recentemente, tive a impressão que o "Bom Fim" e seu clima mudou-se para a cidade baixa- em particular aqueles quarteirões entre a Lima e Silva, José do Patrocínio e João Alfredo e suas travessas da Venâncio a Perimetral perto da Faculdade de Medicina.

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