segunda-feira, 12 de novembro de 2012


Coisas da vida e da literatura

Maximo Gorki conheceu o avô no dia em que leu o romance Eugênia Grandet, de Balzac. O pai de Eugênia era um homem que controlava os torrões de açúcar que a família consumia, proibia leituras à noite para não gastar vela, e muito se assemelhava ao avô de Gorki. O famoso escritor russo só conseguiu compreender o seu avô – avarento e mesquinho como o pai de Eugênia Grandet – no dia em que teve acesso ao livro de Balzac. Foi por meio da descrição de pai Grandet que Gorki desvelou a figura do avô.
Esta história é emblemática do quanto a literatura pode servir como forma de conhecimento do mundo, o quanto o material de ficção possibilita a muitos de nós o acesso à realidades que estão na nossa frente, prontas para serem desveladas, só necessitando que alguém nos auxilie. E esse alguém, muitas vezes, pode ser um poeta ou romancista.
Exemplos semelhantes a este talvez cada um de nós, leitores de livros de ficção, poderia contar. No meu caso, penso que foi O tempo e o vento, de Erico Veríssimo, que me auxiliou no conhecimento de algo fundamental na vida: o reconhecimento da figura paterna. No conflito do personagem Floriano Cambará com o seu pai, o doutor Rodrigo Cambará, aprendi a reconhecer que eu também precisava fazer as pazes com meu pai e construir alguma forma de entendimento entre nós. Li o romance com 19 anos, durante os meses de abril a junho de 1975, e acho que nunca mais fui o mesmo. O esforço consciente de Floriano para compreender e se aproximar do pai me revelou um caminho que eu deveria trilhar.
Meu pai ainda estava vivo e hoje posso dizer que me aguardava. Era um homem generoso, que não guardava rancores do filho arrogante, e esperava. Me aproximei, nos aproximamos, e penso que a leitura d’O tempo e o vento me auxiliou a compreender os nossos conflitos de pai e filho. Auxiliou, esclareceu, verdadeiramente iluminou. Três anos depois meu pai morria e nesses poucos anos construímos um entendimento que foi fundamental para a minha construção como homem.
Assim, se Gorki conheceu o avô lendo Balzac, posso dizer que conheci meu pai lendo Erico Veríssimo. Coisas da vida e da literatura. Coisas possíveis de serem vividas por quem se deixa encantar pelo mundo da leitura. Histórias que me vêm a mente enquanto caminho pela Feira do Livro de Porto Alegre e penso que sempre é necessário festejar todas as ações que favoreçam a formação de leitores. A formação de homens e mulheres que um dia poderão ler Balzac, Gorki ou Erico Veríssimo, e conhecerem melhor os seus pais e avós. Conhecerem melhor o próprio mundo e talvez viverem com maior intensidade.

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