Maximo Gorki conheceu o avô
no dia em que leu o romance Eugênia
Grandet, de Balzac. O pai de Eugênia era um homem que controlava os torrões
de açúcar que a família consumia, proibia leituras à noite para não gastar
vela, e muito se assemelhava ao avô de Gorki. O famoso escritor russo só conseguiu
compreender o seu avô – avarento e mesquinho como o pai de Eugênia Grandet – no
dia em que teve acesso ao livro de Balzac. Foi por meio da descrição de pai
Grandet que Gorki desvelou a figura do avô.
Esta história é emblemática
do quanto a literatura pode servir como forma de conhecimento do mundo, o
quanto o material de ficção possibilita a muitos de nós o acesso à realidades
que estão na nossa frente, prontas para serem desveladas, só necessitando que alguém
nos auxilie. E esse alguém, muitas vezes, pode ser um poeta ou romancista.
Exemplos semelhantes a este
talvez cada um de nós, leitores de livros de ficção, poderia contar. No meu
caso, penso que foi O tempo e o vento,
de Erico Veríssimo, que me auxiliou no conhecimento de algo fundamental na
vida: o reconhecimento da figura paterna. No conflito do personagem Floriano
Cambará com o seu pai, o doutor Rodrigo Cambará, aprendi a reconhecer que eu
também precisava fazer as pazes com meu pai e construir alguma forma de
entendimento entre nós. Li o romance com 19 anos, durante os meses de abril a junho
de 1975, e acho que nunca mais fui o mesmo. O esforço consciente de Floriano
para compreender e se aproximar do pai me revelou um caminho que eu deveria
trilhar.
Meu pai ainda estava vivo e
hoje posso dizer que me aguardava. Era um homem generoso, que não guardava rancores
do filho arrogante, e esperava. Me aproximei, nos aproximamos, e penso que a
leitura d’O tempo e o vento me
auxiliou a compreender os nossos conflitos de pai e filho. Auxiliou,
esclareceu, verdadeiramente iluminou. Três anos depois meu pai morria e nesses poucos
anos construímos um entendimento que foi fundamental para a minha construção
como homem.
Assim, se Gorki conheceu
o avô lendo Balzac, posso dizer que conheci meu pai lendo Erico Veríssimo.
Coisas da vida e da literatura. Coisas possíveis de serem vividas por quem se
deixa encantar pelo mundo da leitura. Histórias que me vêm a mente enquanto
caminho pela Feira do Livro de Porto Alegre e penso que sempre é necessário
festejar todas as ações que favoreçam a formação de leitores. A formação de
homens e mulheres que um dia poderão ler Balzac, Gorki ou Erico Veríssimo, e
conhecerem melhor os seus pais e avós. Conhecerem melhor o próprio mundo e
talvez viverem com maior intensidade.
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