domingo, 11 de março de 2012

Palmatória e cascudos

Um aluno me contou que fez o Primário em Quarai, na década de 1950. A professora alfabetizadora era excelente, muito considerada na cidade, e chamava-se Maria Casada. Apesar do nome, no entanto, ficou solteira a vida inteira. Uma solteirona séria e muito respeitada. Utilizava a palmatória e ninguém a questionava. Afinal, era um instrumento pedagógico e todos reconheciam sua eficácia.
Me disse o aluno que pelo menos uns quatro bolos ele levou. Voltava para casa com as mãos inchadas e os pais não se incomodavam. Se a professora usava a palmatória, alguma coisa ele havia aprontado e fora corrigido. Estava sendo educado e castigos – físicos inclusive – faziam parte do processo. Educação era assim. Coisa bem diferente dos dias de hoje.
Nos anos 80, quando fui diretor de escola de Primeiro Grau, uma professora que estava deslocada para a Merenda Escolar foi obrigada a voltar para a sala de aula. Determinação da D.E. (Delegacia de Educação). Ela estava em “desvio de função” e tinha que voltar a lecionar. Lecionar na primeira série, pois era alfabetizadora.
Mas tinha um problema: era professora antiga, que começara a lecionar na Campanha e utilizava a estratégia do cascudo. Dava cascudo nos alunos, quando eles incomodavam. Mantinha a ordem e a disciplina dessa maneira e achava bobagem os modernismos pedagógicos. As supervisoras da escola procuravam contornar a situação – dissuadir a professora da prática do cascudo, ficar de olhos nas mães dos alunos para que elas não denunciassem o caso na imprensa – e fomos assim até o final do ano. Até a professora voltar de novo para a Merenda Escolar.
Felizmente, durante esse período, não houve nenhum caso grave. Nenhum aluno fez escândalo por causa de um ou outro cascudo. E, principalmente, nenhuma mãe pôs a boca no trombone e levou o caso adiante.
Recordo que eu ficava na porta da sala de aula, conversando com as mães e descobrindo, aliviado, que elas entendiam os rigores da professora. “A gurizada é terrível”, elas diziam, “e a professora está ensinando” “Os alunos estão aprendendo a ler e é isto que importa”, concluíam as mães, super tolerantes com aqueles pequenos episódios de violência física – já considerados dramáticos nos anos 80.
Para a professora, era estranhíssimo as coisas terem mudado tanto. “Era assim no meu tempo”, ela comentava. Era assim na Campanha, eu penso agora. Se até a palmatória era tolerada, imagine um simples, rápido e eficaz cascudo no cocuruto de um pirralho inquieto...

Um comentário:

  1. As crianças de hoje não podem levar cascudos dos pais nem das professoras. Os politicamente corretos deviam avisar também a Vida que ela não pode dar cascudos nas "crianças", afinal, elas não estão preparadas para o castigo (e a reflexão que ele incita).

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