quinta-feira, 15 de março de 2012

No metrô de São Paulo

Um dia eu estava em São Paulo e entrei no metrô com uma tradução da Divina Comédia. Havia comprado na banca de revista e vim desembrulhando o livro pela estação, me sentando num banco do “comboio” e lendo, lendo vorazmente. Estava fascinado com o poeta – na sua longa travessia pelo Inferno – perguntando quem era aquela gente “que em dor se amesquinha” e logo descobrindo tratar-se da “fileira dos malvados / avessa a Deus e aos inimigos d’Ele”.
Segui na leitura dos sofrimentos do Inferno e súbito olhei pela janela – na Estação do MASP?, na Estação da Sé? – e me perguntei que leitor eu era. Não questionei a respeito de qual círculo do Inferno eu iria arder ou em qual estação das dores urbanas eu me encontrava. Apenas queria saber que leitor eu era... Leitor de livros publicados pela Abril Cultural, leitor de livros de bolso e assim por diante. Leitor sem nenhuma áurea, conclui, vendo a multidão que se apertava na plataforma do metrô e entrava nos vagões – muitos com livros debaixo do braço.
Hoje, lembrando essa cena, eu penso que, antes de ser um leitor de poemas e romances, fui leitor de história em quadrinhos e, principalmente, espectador de cinema. Menino, assisti Taras Bulba, com Tony Curtis e Yul Brynner, e só anos depois fui ler o famoso romance de Gogol. E antes da Divina Comédia, conheci as gravuras de Gustave Doré – uma bela introdução aos tormentos de Satanás, descritos por Dante. Em resumo, me fiz leitor na onda de crescimento da indústria cultural, que difundiu a produção cultural da humanidade entre os reles mortais.
Naquele dia em São Paulo, quando lia Dante Alighieri, me dei conta de que minha estação (a Praça da República) era longe da Mooca, distante da Hospedaria dos Imigrantes, na qual meu avô colocou os pés, logo que chegou da Itália. Era um menino de 14 anos, vinha com o pai, a mãe e uma irmã pequena, para trabalhar nos cafezais paulistas. Jovem imigrante subvencionado pelo Estado Imperial (era 1888), para servir de mão-de-obra barata para a classe proprietária paulista.
Ele passou dois dias na Hospedaria e de lá seguiu, com o seu grupo familiar, para uma fazenda de Sorocaba, sem nenhum livro debaixo do braço. Tratava-se de um trabalhador braçal que iria se amesquinhar e se engrandecer nas dores que a cafeicultura proporcionava. O patriarca de uma família que se enraizaria no Rio Grande do Sul e que daria origem a sujeitos como eu, leitores de Dante dentro do metrô, marcando o compasso dos versos com os sons subterrâneos de São Paulo.

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