Giuseppe Garibaldi foi revolucionário italiano do
século XIX. Maçom, anticlerical furioso e republicano engajado na luta pela
unificação italiana. Sua trajetória envolveu participações em guerras em dois
continentes, na Europa (Itália e França), na América do Sul (Brasil e Uruguai)
e é geralmente lembrado por isso. Um guerrilheiro.
Mas, no início do século XX, entre os imigrantes
italianos e seus descendentes, na região de colonização do Rio Grande do Sul, ele
era um símbolo do enfrentamento ao poder da Igreja Católica. Em Silveira
Martins (Quarta Colônia da Imigração Italiana no RGS) a criação de um monumento
a Garibaldi na praça central da cidade, em 1910, evidenciou isto. Foi uma
afronta à igreja local e o pároco Schwinn acusou o golpe, anotando o nome de
seus idealizadores e os denominando “garibaldinos”. Em torno do monumento, embates
calorosos entre católicos e anticlericais.
Lendo uma biografia a respeito do personagem (Garibaldi:
herói dos dois mundos, de Maurício Oliveira, Ed. Contexto, 2013) recordei as discussões
a respeito de Garibaldi, no Brasil, em especial entre os imigrantes. Um tema que
até hoje não me abandonou. Impossível deixar de escrever a respeito.
Garibaldi nasceu em Nice, em 1807, e se criou na
beira do porto. (A cidade já fora italiana, naquele tempo pertencia a França e
assim permanece até hoje.) Não teve educação esmerada, mas o pai (pequeno
comerciante marítimo) garantiu-lhe alguns professores particulares e, com um
deles, o menino aprendeu a admirar as glórias do Império Romano. Aos 17 anos,
já trabalhando na marinha comercial, visitou Roma pela primeira vez e ficou
impactado com a pompa das cerimônias religiosas contrastando com a pobreza da
maioria da população. A experiência lhe provocou sentimentos contraditórios e
marcou o início de uma obsessão: aquela deveria ser a capital do futuro Estado
italiano.
Aos 27 anos (1834) envolveu-se numa tentativa de
revolta no Reino da Sardenha (liderada pela recém-criada Jovem Itália, de
Giuseppe Mazzini), quase foi preso, condenado a morte, e fugiu para a América
do Sul. Deu com os costados no Rio de Janeiro, encontrou outros italianos
exilados e se envolveu na luta de rebeldes republicanos da província do Rio
Grande do Sul (a Revolução Farroupilha). Ganhou carta de corso, se tornou responsável
pela criação de uma esquadra naval para os revoltosos (que nunca passou de três
embarcações) e protagonizou feitos notáveis, como a tomada de Laguna.
Encerrada a sua participação na revolta (1841)
seguiu para o Uruguai (nesta época, casado com Anita) e prestou serviços à
República deste país na guerra contra Manuel Rosas (presidente da Argentina). Novos
feitos militares e, inclusive, a admiração do comandante da força naval
adversária.
Em 1848, voltou a Itália, acreditando que a
conjuntura estava mais madura para a unificação. Sua condenação fora suspensa pelo rei da
Sardenha, que começava, então, a se movimentar por uma Itália unida. Garibaldi
era visto como possível aliado, mas também alguém a temer devido ao seu
republicanismo.
Era um tempo de revoltas liberais e nacionalistas
por toda a Europa e uma delas aconteceu em Roma. Os revoltosos chamaram
Garibaldi a participar, o revolucionário atendeu ao pedido e acabou enfrentando
os exércitos da França e do Reino das Duas Sicílias que vieram acudir ao papa
(restaurar o Estado Pontifício). Não foi derrotado, mas obrigado a fugir com
seus soldados para salvar a pele. (Nesta fuga, morre a sua esposa Anita.)
Garibaldi
enfrenta um novo exílio e volta em 1860, convidado por revoltosos sicilianos a
liderar um movimento contra o Reino das Duas Sicílias, talvez o maior feito da
sua vida. Recebe o sinal verde do rei de Vittorio Emanuele II (rei de Piemonte),
mas não o seu apoio oficial. Segue em frente com seus “camisas vermelhas”
(Legião Italiana), obtém vitórias militares estrondosas, toma Palermo, Nápoles
e entrega todo o fruto desta conquista ao rei de Piemonte, o qual, colocando-o
em segundo plano, cria o Reino da Itália.
A partir daí, sua estrela de revolucionário foi
apagada. Não aceitou as prebendas que visavam apaziguá-lo (torná-lo um
príncipe, por exemplo) e se retirou para a sua propriedade particular, na ilha
Caprera. Estava decepcionado, mas não deixava de ter planos, inclusive o de
conquistar Roma, que considerava a capital ideal do novo Estado italiano. Fez
tentativas nesse sentido, fracassou, foi preso, criando uma comoção
internacional pela sua libertação. É nesta conjuntura que Alexandre Dumas
organiza e publica as memórias do herói (Memórias de Garibaldi, Editora L&PM, 1999). Quase um romance folhetinesco.
Quando a tomada de Roma acontece, em 1870, o rei
Vittorio Emanuele deixou-o de lado, pois não queria o novo estado contaminado
pelo radicalismo anticlerical nem republicano.
Até o final de sua vida, Garibaldi permaneceu coerente
com suas ideias. Furibundo em relação ao poder da Igreja. No leito de morte,
xingava os padres. Apesar de forte sentimento religioso (herdado da sua mãe, a
quem sempre admirou), detestava a religião organizada e via no padre “o mais
atroz inimigo do gênero humano”. Enxergava os sacerdotes como “descendentes de
Torquemada” (o célebre inquisidor da Espanha) e entendia que, “somente em
estado de loucura ou grave ignorância”, alguém podia pedir proteção a essa
gente.
Certamente era este Garibaldi que os imigrantes
italianos cultuavam, o anticlerical furioso, que sonhava uma Itália unificada
sem a interferência dos podres poderes papais.
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