Na década de 1960, eu morava na zona do porto, em
Pelotas, e no verão as pessoas costumavam colocar cadeiras na calçada. Os mais
velhos se reuniam para conversar e eu gostava de ouvir suas histórias,
especialmente quando o assunto enveredava para as guerras e revoluções que ocorreram
no Rio Grande do Sul. Criança, eu achava que aquilo tudo acontecera há pouco
tempo e fora até presenciado & vivido pelo meu pai, meu avô e os vizinhos.
Era o período inicial do Regime Militar, de caça e
perseguição aos comunistas, e levei anos para distinguir esses acontecimentos
recentes daqueles outros, a Guerra da Cisplatina, a Revolução Farroupilha, a
Revolução Federalista e a de 1923. Guerras e revoluções se colocavam diante de
mim como uma herança histórica que se prolongava no presente e exigiam resposta.
Eu não escaparia dessa experiência, imaginava. A roda do mundo era essa:
guerras e revoluções a exigirem dos homens comprometimento e valentia. O serviço
militar seria a minha primeira prova.
– Aí tu vais ver o que é bom pra tosse – alguém
dizia, indicando o que me esperava no futuro: o aprendizado com as armas, as
sofridas jornadas em manobras militares e o domínio do espírito para o enfrentamento
militar com o inimigo. Experiências limites nas quais se confirmaria (ou não) a
minha virilidade.
Minha avó colocava a revista Cruzeiro na
roda e apontava as fotos dos soldados brasileiros (por volta de três mil),
enviados pelo presidente Castelo Branco, para participar de uma intervenção
militar na República Dominicana, liderada pelos EUA/OEA. Ela atualizava o tema
“guerras e revoluções”, tirava-o do século XIX e início do XX, e trazia-o para
a contemporaneidade.
A República Dominicana fora “tomada por
comunistas”, segundo as proclamações da OEA (Organização dos Estados
Latino-Americanos), e era preciso colocar essa gente a correr e “salvar os
valores da Civilização Ocidental”. Ouvi muito essas lorotas. No caso, uma
invasão militar liderada pelos Estados Unidos. Durou pouco mais de um ano (1965
e 66), provocou dois mil mortos e consolidou uma ditadura que reprimiu as
forças democráticas populares (difícil chamá-las de comunistas). Minha avó
temia que o seu filho (então capitão do Exército) fosse enviado para a ilha
caribenha e mostrava olhos aflitos.
Por outro lado, meu pai cochichava com minha mãe a
respeito do irmão brizolista, que desaparecera logo após o Golpe Militar de
1964, “envolvido na subversão”, e só um ano deu as caras. Nem a família sabia por
onde andara. Fora preso, inclusive numa fortaleza na Baía da Guanabara (o Forte
da Laje, ele me contou anos depois), e apareceu num quartel de Pelotas, onde
fui visitá-lo com uma das suas irmãs (a tia Landa).
Guerras e revoluções da história sul-rio-grandense
eram assunto nas rodas de conversas, nos verões da minha infância, e se
atualizavam com o Golpe Militar, as perseguições políticas, e o alinhamento
brasileiro aos Estados Unidos na “luta contra o comunismo”. Criança, eu fui
instigado pelo tema e levei anos para entender do que se tratava. Além dos
fatos políticos-militares, eles indicavam a construção de um comportamento masculino
ao qual eu devia ficar atento. Um dia, os acontecimentos iriam exigir coragem e
valentia daquele menino franzino que eu era. Crescer, tornar-se um homem, era
aprender a manejar armas (uma faca, um revólver, um fuzil) e saber arriscar a
vida em combate. Haja capacidade para tantos desafios.
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