quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Guerras e revoluções (1)

 

Na década de 1960, eu morava na zona do porto, em Pelotas, e no verão as pessoas costumavam colocar cadeiras na calçada. Os mais velhos se reuniam para conversar e eu gostava de ouvir suas histórias, especialmente quando o assunto enveredava para as guerras e revoluções que ocorreram no Rio Grande do Sul. Criança, eu achava que aquilo tudo acontecera há pouco tempo e fora até presenciado & vivido pelo meu pai, meu avô e os vizinhos.

Era o período inicial do Regime Militar, de caça e perseguição aos comunistas, e levei anos para distinguir esses acontecimentos recentes daqueles outros, a Guerra da Cisplatina, a Revolução Farroupilha, a Revolução Federalista e a de 1923. Guerras e revoluções se colocavam diante de mim como uma herança histórica que se prolongava no presente e exigiam resposta. Eu não escaparia dessa experiência, imaginava. A roda do mundo era essa: guerras e revoluções a exigirem dos homens comprometimento e valentia. O serviço militar seria a minha primeira prova.

– Aí tu vais ver o que é bom pra tosse – alguém dizia, indicando o que me esperava no futuro: o aprendizado com as armas, as sofridas jornadas em manobras militares e o domínio do espírito para o enfrentamento militar com o inimigo. Experiências limites nas quais se confirmaria (ou não) a minha virilidade.

Minha avó colocava a revista Cruzeiro na roda e apontava as fotos dos soldados brasileiros (por volta de três mil), enviados pelo presidente Castelo Branco, para participar de uma intervenção militar na República Dominicana, liderada pelos EUA/OEA. Ela atualizava o tema “guerras e revoluções”, tirava-o do século XIX e início do XX, e trazia-o para a contemporaneidade.

A República Dominicana fora “tomada por comunistas”, segundo as proclamações da OEA (Organização dos Estados Latino-Americanos), e era preciso colocar essa gente a correr e “salvar os valores da Civilização Ocidental”. Ouvi muito essas lorotas. No caso, uma invasão militar liderada pelos Estados Unidos. Durou pouco mais de um ano (1965 e 66), provocou dois mil mortos e consolidou uma ditadura que reprimiu as forças democráticas populares (difícil chamá-las de comunistas). Minha avó temia que o seu filho (então capitão do Exército) fosse enviado para a ilha caribenha e mostrava olhos aflitos.

Por outro lado, meu pai cochichava com minha mãe a respeito do irmão brizolista, que desaparecera logo após o Golpe Militar de 1964, “envolvido na subversão”, e só um ano deu as caras. Nem a família sabia por onde andara. Fora preso, inclusive numa fortaleza na Baía da Guanabara (o Forte da Laje, ele me contou anos depois), e apareceu num quartel de Pelotas, onde fui visitá-lo com uma das suas irmãs (a tia Landa).

Guerras e revoluções da história sul-rio-grandense eram assunto nas rodas de conversas, nos verões da minha infância, e se atualizavam com o Golpe Militar, as perseguições políticas, e o alinhamento brasileiro aos Estados Unidos na “luta contra o comunismo”. Criança, eu fui instigado pelo tema e levei anos para entender do que se tratava. Além dos fatos políticos-militares, eles indicavam a construção de um comportamento masculino ao qual eu devia ficar atento. Um dia, os acontecimentos iriam exigir coragem e valentia daquele menino franzino que eu era. Crescer, tornar-se um homem, era aprender a manejar armas (uma faca, um revólver, um fuzil) e saber arriscar a vida em combate. Haja capacidade para tantos desafios.

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