Fiz uma viagem de Uber até o Shopping do Pontal e o
motorista me falou da sua vida. Li no aplicativo que ele se chamava Hermes,
perguntei se os seus pais gostavam de mitologia grega e ele disse que não. O
nome era uma homenagem a um tio. Mas disse que há uns anos atrás namorou uma
professora de História e ela lhe falou a respeito dessa divindade do Mundo
Antigo.
Era uma mulher sofisticada e culta, recém separada,
e uma amiga comum fez a ponte entre os dois. “Ela já
teve dois casamentos, que eu não entendi direito como terminaram, mas é boa
pessoa, tu vais ver”, ela me disse.
Hermes foi conferir a mulher que, “apesar dos 54
anos, estava bem na foto" e gostou. Tiveram um relacionamento rápido e ele
aprendeu coisas sobre mitologia grega que nem suspeitava. Afinal fora um menino
da região das Missões, estudara mal e porcamente em escolas duvidosas e pouco
sabia de História, quanto mais de História Antiga. Quando ela lhe contou que
Hermes era o deus grego do comércio, protetor dos viajantes, ficou lembrando do
seu tio, um simples caminhoneiro, carregando a madeira das matas da região missioneira para tudo quanto era lugar. Um negocião, na época. Hoje, provavelmente ilegal, fruto de desmatamento irregular.
“Meu nome é por causa desse tio, não tem coisa alguma a ver com mitologia. Meu velho gostava dele. E gostava também de política, me puxando para o partido dele e botando pilha pra eu entrar na peleia, coisa que eu até achei que ia dar certo. Mas me dei mal”, ele explicou. Quando namorou a professora,
estava saindo dessa fase da política. Um dia foi para a casa dela (uma casa que
fora do pai dela, comprada com muito suor), bebeu demais, os dois sentados
numa varanda que dava para um pátio arborizado, e foi aí que ele pôs tudo a
perder entre os dois.
“Ela era complicada, não beijava direito, não se entregava. Eu pensei deixá-la mais
relaxada com um pouco de bebida e a estratégia deu errado. Acabei tomando um
porre, dormindo no sofá da varanda, enquanto ela se fechava dentro do antigo quarto do pai dela, puta da vida comigo”, ele falou, rindo.
Tomei nota dessa história depois que cheguei ao meu
destino (no Shopping do Pontal) e agora repasso nessa crônica. Anotações a
respeito de Hermes, que um dia militou na política partidária, não engrenou
(não conseguiu um cargo, uma função remunerada, uma fatia do bolo) e hoje é
motorista de aplicativo. Sabe que seu nome remete a uma divindade grega,
condutor de viajantes pelos mais variados caminhos, e às vezes desconfia que
está, enfim, cumprindo o seu destino: o de conduzir passageiros pelo mundo,
mais especificamente pela cidade de Porto Alegre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário