sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Apenas um turista na Argentina

 

Estive na Argentina durante nove dias e bati pernas por Buenos Aires, La Plata e Mendoza. Postei fotos durante a viagem e um ex-aluno me perguntou se percebi as mudanças que o presidente Milei está causando no país. Respondi que não, pois era apenas um turista, viajando com minha companheira, desses que chegam de avião, ficam em bons hotéis e, no caso de Buenos Aires, vão a um balé no Teatro Colón, bebem vinho na Avenida 9 de Julio, almoçam no Puerto Madero e visitam museus de arte (o MALBA e o Museu de Belas Artes).

Puerto Madero, com a Puente de la Mujer ao fundo.

Se fosse a um evento acadêmico e conversasse com professores de universidades estatais, certamente saberia dos impactos da política presidencial na educação e na ciência. Afinal, segundo o noticiário, os salários dos professores foram arrochados e alguns estão debandando. A situação também é crítica na área científica e, só no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, quatro mil postos de trabalhos foram eliminados.

Enxugar a máquina pública é a palavra de ordem presidencial – “um gênio”, segundo um motorista que nos conduziu pelas vinícolas de Mendoza – e por volta de 10% dos funcionários públicos dançaram. Além da educação, ciência e previdência (a situação dos aposentados é terrível), a saúde pública também é alvo de cortes e cruzamos com manifestantes contrários a esta situação.

Em duas ocasiões, em La Plata e em Mendoza, nos deparamos com pequenos atos públicos com as pessoas protestando contra um projeto de lei que atinge os profissionais que atendem deficientes. Em La Plata, atravessamos uma dessas manifestações em frente a um prédio do poder legislativo, ao qual admirávamos pela beleza e monumentalidade, e súbito paramos para entender o que era aquela gente com cartazes. Dois dos manifestantes em cadeiras de roda.

Em Buenos Aires, minha companheira e eu fomos a Estación Constituición, pegar o trem para La Plata, e senti um descompasso entre o prédio monumental e o estado dos trens e da população. Achei os trens precários e os usuários, muito modestos, enquanto o prédio ainda lembrava o esplendor do período agroexportador. Uma impressão que já tivera vinte anos atrás, mas me pareceu pior. Vendo os vendedores que cruzavam os vagões (com produtos em caixas de papelão amarrados com cordões e em cestos de vime), tive a impressão de estar na Bolívia, presenciando uma cena “latino-americana raiz”, isto é, subdesenvolvida. Na volta, escolhemos o ônibus, que nos garantiram ser mais confortável e rápido (o que se comprovou integralmente).

Como disse ao meu ex-aluno, eu era apenas um turista. Desses que viajam com a companheira e privilegiam os bons momentos: um espetáculo no Teatro Colón (mesmo que seja nas galerias), uma garrafa de Malbec na Avenida 9 de Julio, uma caminhada noturna pela Avenida Córdoba e os desdobramentos felizes que essas vivências agradáveis produzem.

Milei e sua serra ultra neoliberal passaram ao largo. Só não esqueci de José Hernández e Domingo Sarmiento (autores de "Martin Fierro" e "Facundo", respectivamente), dos quais encontrei referências em praças, monumentos e até na conversa com um motorista de Uber, nem de Borges e Cortázar, diversas vezes presentes em livrarias e espaços de memória.