quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Os eunucos negros

 

Sou desses turistas que não largam a máquina fotográfica. Ao viajar, vou registrando quase tudo o que vejo e muitas vezes caminho e já vou pensando no melhor ângulo. Olho, observo, planejo a foto, e depois volto para clicar. Mas às vezes deixo passar. Simplesmente observo o local, a paisagem ou o ambiente, muitas vezes incomodado por alguma coisa.

Pois foi justamente isso que aconteceu, quando visitei o principal palácio do antigo Império Otomano (o Palácio Topkapi, em Istambul, em 2022), e adentrei o espaço dos eunucos negros, o primeiro pátio do harém. Me deparei com os alojamentos desses escravos mutilados... e paralizei. Um cartaz indicava a sua importância no local: guardas e administradores das esposas, concubinas e odaliscas do soberano. Lembrei que, além do sultão, nenhum outro homem entrava no recinto e eles garantiam isso. Uma navalha cortara os seus pênis e testículos, e dessa maneira eles se transformavam em serviçais confiáveis aos olhos do sultão. Deixavam de ser uma ameaça e passavam a ser o quê, esses homens mutilados?

Os demais eunucos (os eunucos brancos, que também exerciam funções de guarda e administração em outros espaços do palácio menos importantes que o harém) não sofriam uma castração tão radical. Perdiam os testículos, ficavam com o pênis, e há quem diga que alguns conseguiam uma ereção.

Jogos de poder não são brincadeira. Ao se constituírem estraçalham corações, mentes e até corpos. Em certas circunstância, uns perdem as bolas; outros, as bolas e o pau.

Os eunucos negros eram trazidos da África (Sudão, Etiópia e Egito); os brancos, da região do Cáucaso (Geórgia e Armênia); e tinham tratamento diferenciado.

Pavorosa, a história dessa gente. A dos negros, então, absurda. Eles tinham sido meninos no Sudão e na Abissínia, escravizados e submetidos a essa cirurgia na puberdade (geralmente no Egito), cortados com navalhas de pouca precisão, “anestesiados” com álcool, ópio e compressas frias, cauterizados com ferro em brasas, e a maioria (entre 70 a 80%) morriam de infecção ou hemorragia. Os que sobreviviam eram levados a Istambul, ganhavam voz fina e geralmente ficavam obesos e disformes (neste último caso, devido ao desenvolvimento anormal dos ossos).

Alguns se tornavam chefes da guarnição dos eunucos e adquiriam um poder que os ombreavam a vizires e generais. Houve casos de eunucos poderosos e famosos, como Beshir Agha (durante o reinado do sultão Mahmud I, entre 1730 e 1754), mas a maioria apenas serviu ao sultão, engordou, rezou (eles se tornavam muito religiosos) e aprendeu a urinar de modo pouco natural para um homem. Pessoas mutiladas.

Foi essa história que me horrorizou e paralisou naquele pátio do Palácio Topkapi. Não fotografei o local. Pulei essa parte e a relembrei outro dia, quando pensava a respeito desses terrores masculinos: os da castração e que muitas vezes se efetivaram ao longo da História, na China, na Igreja Católica (para preservar as vozes agudas dos meninos, nos corais) e também no Império Otomano.

No episódio do passeio turístico pelo Topkapi, logo superei o espanto e as reflexões sombrias, pois o local é belíssimo. E, no imenso labirinto que é esse complexo palaciano (por volta de 400 quartos), me deparei com um salão imperial (com destaque para o trono sobre um estrado), de decoração luxuosa e primorosa, utilizado tanto para cerimônias oficiais quanto para o entretenimento das mulheres e do sultão. Que deviam se divertir à beça naquele local, protegidos por homens negros mutilados, sem pênis e sem testículos.

Salão imperial. Palácio Topkapi, Istambul.


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