Na primeira vez em que estive em Buenos Aires, em
janeiro de 1977, o câmbio era tremendamente favorável à moeda brasileira e me
chamou atenção os baldinhos de gelo colocados nas mesas dos restaurantes junto
com o vinho. Eu era estudante universitário, tinha pouca grana e quase nada
sabia sobre consumo e fruição de vinhos. Foi a minha primeira viagem
internacional.
Eu trabalhava há pouco tempo como balconista numa
filial da Livraria do Globo (na Rua 24 de Outubro, em Porto Alegre) e uma amiga
me convenceu de que “era agora ou nunca”. “Nunca mais teremos uma oportunidade
dessas”, ela me disse, se referindo ao valor da nossa moeda frente ao peso
argentino. Meu ganho mensal não passava de um salário-mínimo e ela garantiu que
era o suficiente para uma semana.
Encaramos a viagem de ônibus, passamos por Chuí,
Montevidéu e pegamos o aliscafo em Colônia.[1]
Nossa hospedagem foi num modesto hotel próximo ao porto (decadente, naquela
época, e, hoje, o reformado Puerto Madero) e achei ótimo. Pensáramos que “pintaria
um clima entre nós”, mas não rolou e permanecemos amigos. Ela arranjou um
namorado portenho (minha amiga não perdia tempo) e algumas vezes saíamos os
três a peregrinar por praças e pizzarias. O rapaz tinha ligação com a esquerda
estudantil, nos colocava a par do golpe militar ocorrido no ano anterior e,
principalmente, as prisões arbitrárias que vinham acontecendo.
Eu estava concluindo o Curso de História, achava
que entendia alguma coisa sobre as ditaduras militares na América Latina e hoje
vejo que minha compreensão era rasa, muito rasa. Não fazia ideia da truculência
dos órgãos de segurança, das torturas, dos desaparecimentos.
Na terça-feira retrasada, quando estava em Buenos
Aires almoçando nas Galerias Pacífico (justamente abaixo dos famosos afrescos,
no hall central), observei um senhor encher seu copo de vinho com cubos de
gelos e recordei... essa primeira viagem ao mundo portenho e esse estranho
costume: o gelo no copo de vinho. Não vi isso em nenhum outro lugar, nem em
Buenos Aires nem em La Plata e Mendoza, e não avalio a abrangência dessa
prática.
Em Mendoza, estive em três vinícolas sofisticadas (Vigil,
Zuccardi e Catena Zapata) e, em nenhuma delas, houve referência esse costume.
Talvez uma esquisitice de alguns portenhos, imagino agora.
Vinícola Catena Zapata - agosto de 2025. |
Tentei contar isso para minha companheira, mas não deu
tempo. Tanta coisa para falar, comentar, que esse assunto se perdeu no caminho.
Bebemos brancos e tintos (mais tintos do que brancos) e em nenhum momento algum
garçom nos perguntou se queríamos gelo. Acho que percebeu que não éramos
“bárbaros”.
[1] Não
encontrei a palavra “aliscafo” nos dicionários Aurélio e Houaiss,
mas era assim que se falava, quando não se queria dizer “ferry-boat”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário