Peguei um aplicativo na saída do shopping e entrei
no carro fazendo comentários a respeito do tempo: as temperaturas altas, as
chuvas que não acabam, essas coisas. Banalidades. Mas logo percebi a extrema
beleza da motorista – mulher loura de cílios longos, unhas grandes e pintadas,
figura de capa de revista – e me calei. Vê só o que pensei: “Ela vai achar que
estou dando em cima”. Me aquietei e fiquei olhando pela janela. Sete quilômetros
entre o shopping e o meu apartamento.
Tenho escutado tanto a respeito de mulheres que se
sentem abusadas, agredidas, humilhadas, que nem sei mais avaliar. Às vezes acho
exagero por parte delas, mas vá saber. Melhor estar atento e ter cuidado.
Então ouvi a motorista falando e demorei a entender
que não era comigo, mas com alguém num aplicativo do celular fixado no painel
do carro. Uma conversa que eu não compreendia, pois o som era baixo, de repente
aumentava exageradamente e depois voltava a diminuir. Quando o som aumentou novamente,
a voz gritando dentro do veículo, a motorista se desculpou e disse que era
coisa do aplicativo. “O som não é bom”, ela falou, “não é equilibrado”. E
explicou que era um grupo de motoristas, mais de cem, na cidade e na região, e
que eles estavam em contato o tempo inteiro. Se algum fosse assalto e agredido,
eles logos socorriam. Se sumisse, por qualquer razão que fosse, eles logo
encontravam. Acionavam Deus e o Mundo.
Observei mais uma vez o perfil bonito e atraente da
motorista e pensei se ela estava me avisando de alguma coisa. “Tá me tomando
por bandido ou abusador?”, pensei. Eu estava de bermudas, barba de três dias, e
quis que a viagem terminasse logo. A mulher seguia falando e explicava os
cuidados que tinha de tomar, especialmente fazendo horário noturno.
Eram nove da noite e eu só pensava se eu pisara na
bola, dissera alguma coisa indevida, sei lá, os protocolos de convívio social
se complicaram, as palavras passaram a ser alvo constante de vigilância (para
identificar e coibir linguagens racista, machista, discriminatória), eu às
vezes não policio minha fala... e bem posso cometer algum deslize.
A motorista continuava a conversa a respeito do
grupo, que tinha como símbolo uma caveira e não fazia distinção de sexo, orientação
sexual nem raça. “Afinal é tudo igual”, ela dizia, “por trás da pele, do sexo,
é só osso e esqueleto, uma caveira, não é mesmo?” E eu respondi que sim e ela
emendou, animada: “Um grupo preocupado com segurança de todos”. E fui
percebendo que não tinha nenhuma mensagem sub reptícia para mim. Era apenas a
fala de uma mulher entusiástica com a sua atividade profissional, certamente feliz
por estar na noite, conversando com seus colegas de profissão e criando uma
rede de comunicação fraterna sobre o traçado da cidade.
Quando ela estacionou perto do meu prédio, desci
aliviado. Era uma motorista bonita e atraente, a mais bonita que já encontrei
até hoje. Engraçado eu ter achado que pisara na bola e ela estava dando o
troco... Devo andar muito assustado, ressabiado e imaginando coisas.
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