segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Motorista bonita e atraente

 

Peguei um aplicativo na saída do shopping e entrei no carro fazendo comentários a respeito do tempo: as temperaturas altas, as chuvas que não acabam, essas coisas. Banalidades. Mas logo percebi a extrema beleza da motorista – mulher loura de cílios longos, unhas grandes e pintadas, figura de capa de revista – e me calei. Vê só o que pensei: “Ela vai achar que estou dando em cima”. Me aquietei e fiquei olhando pela janela. Sete quilômetros entre o shopping e o meu apartamento.

Tenho escutado tanto a respeito de mulheres que se sentem abusadas, agredidas, humilhadas, que nem sei mais avaliar. Às vezes acho exagero por parte delas, mas vá saber. Melhor estar atento e ter cuidado.

Então ouvi a motorista falando e demorei a entender que não era comigo, mas com alguém num aplicativo do celular fixado no painel do carro. Uma conversa que eu não compreendia, pois o som era baixo, de repente aumentava exageradamente e depois voltava a diminuir. Quando o som aumentou novamente, a voz gritando dentro do veículo, a motorista se desculpou e disse que era coisa do aplicativo. “O som não é bom”, ela falou, “não é equilibrado”. E explicou que era um grupo de motoristas, mais de cem, na cidade e na região, e que eles estavam em contato o tempo inteiro. Se algum fosse assalto e agredido, eles logos socorriam. Se sumisse, por qualquer razão que fosse, eles logo encontravam. Acionavam Deus e o Mundo.

Observei mais uma vez o perfil bonito e atraente da motorista e pensei se ela estava me avisando de alguma coisa. “Tá me tomando por bandido ou abusador?”, pensei. Eu estava de bermudas, barba de três dias, e quis que a viagem terminasse logo. A mulher seguia falando e explicava os cuidados que tinha de tomar, especialmente fazendo horário noturno.

Eram nove da noite e eu só pensava se eu pisara na bola, dissera alguma coisa indevida, sei lá, os protocolos de convívio social se complicaram, as palavras passaram a ser alvo constante de vigilância (para identificar e coibir linguagens racista, machista, discriminatória), eu às vezes não policio minha fala... e bem posso cometer algum deslize.

A motorista continuava a conversa a respeito do grupo, que tinha como símbolo uma caveira e não fazia distinção de sexo, orientação sexual nem raça. “Afinal é tudo igual”, ela dizia, “por trás da pele, do sexo, é só osso e esqueleto, uma caveira, não é mesmo?” E eu respondi que sim e ela emendou, animada: “Um grupo preocupado com segurança de todos”. E fui percebendo que não tinha nenhuma mensagem sub reptícia para mim. Era apenas a fala de uma mulher entusiástica com a sua atividade profissional, certamente feliz por estar na noite, conversando com seus colegas de profissão e criando uma rede de comunicação fraterna sobre o traçado da cidade.

Quando ela estacionou perto do meu prédio, desci aliviado. Era uma motorista bonita e atraente, a mais bonita que já encontrei até hoje. Engraçado eu ter achado que pisara na bola e ela estava dando o troco... Devo andar muito assustado, ressabiado e imaginando coisas.

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