Entre 1978 e 1991, lecionei em diversas escolas
estaduais, em Alvorada, Canoas e Porto Alegre. A única que eu lembro que tinha
o costume de realizar quermesses era a Escola Affonso Charlier, em Canoas, e a atividade durava um sábado inteiro. A festa começava no início da tarde, ia até meia-noite (um tempo de
trabalho depois trocado por turnos de folga). Trabalho extenuante, mas
divertido.
Numa dessas festas, em 1982, estou no pátio interno
da escola e escuto nos autofalantes a canção “Você não soube me amar”. Sucesso recente
que eu desconhecia. Comentei isso com uma colega e ela me perguntou, espantada:
– Onde é que tu andas com a cabeça?
Era a canção de estreia da banda Blitz, já fazia
meses que fazia sucesso no rádio e na TV, com apresentação no “Fantástico”, e
eu não sabia. Por onde eu andava mesmo com a cabeça?
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Capa do LP da banda Blitz, 1982, |
Não escutava rádio, não assistia muita coisa na televisão
e o que pretendia era isso mesmo: viver de costas para os grandes meios de
comunicação. Atitude típica de intelectual daqueles tempos, crítico da
alienação, dos “enlatados importados dos Estados Unidos” ou coisa parecida.
Casara em 1981 e minha mulher gostava de televisão.
Ela conseguira um aparelho pequeno (de cor vermelha, portátil, com imagens
P&B) e lembro dela assistir ao programa “TV Mulher”, pela manhã, e me
chamar para ver a Marta Suplicy (que eu aprendi a gostar). Eu trabalhava nos
turnos da tarde e da noite, e muitas vezes almocei assistindo “TV Mulher” e depois
saia correndo para pegar o ônibus (eram dois ônibus) para chegar na escola de
Canoas.
Em compensação, se rádio e TV não estavam no meu
horizonte, eu acompanhava religiosamente a programação de cinema (pelos
jornais) e não havia final de semana que não saíamos para ver um ou até dois
filmes. Eu fazia reservas ao cinema hollywoodiano e isso já indica o espectador
que eu era. Minha mulher era quem me carregava para os filmes de sucesso (os
oscarizados, por exemplo), pois, se dependesse de mim, ficava apenas nos filmes
de arte, de política, essas coisas. Ou essas chatices, alguém diria.
Nesse mesmo sábado de quermesse, de 1982, entrei na
cozinha da escola e me deparei com as funcionárias cantando “Panela velha é que
faz comida boa” e me surpreendi. (Eu trabalhava na tenda que vendia quentão e
fora buscar mais bebida.) Achei a canção irreverente, divertida, disse que não
conhecia e também estranharam a minha ignorância.
Não sabia coisa alguma do rock nacional e nem da música
nativista rio-grandense. “Você não soube me amar” estourara naquele ano e
também “Panela velha”, de Celmar de Moraes & Auri Silveira. Novidade demais
para mim.
Eu devia ser um bicho estranho, um sujeito fora do
ar. Um professor que pouco sabia além dos seus livros, filmes e jornais. Me propunha
a falar para os alunos a respeito do desenvolvimento do capitalismo, alertar
contra as irregularidades trabalhistas, que podiam ser minoradas se a classe
trabalhadora estivesse atenta, fortalecesse seus sindicatos, patati patatá, mas não sabia o que tocava no rádio e na TV.
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