Foram as notícias de superexploração de
trabalhadores na colheita da uva que desencadearam essas memórias a respeito da
minha trajetória no Magistério Estadual. Não, eu não vivi situação semelhante
na minha atividade profissional. Apenas me interessava, como professor, por
esta realidade cruel – a da existência de relações de trabalho à revelia da
legislação, motivo de sofrimento e humilhação para muitos – e a tematizava em
sala de aula.
Dito de outra maneira, mais ao estilo de um professor
de História, meu foco era a permanência de práticas arcaicas de trabalho, enquanto
a economia se encaminhava para formas modernas de relações trabalhistas. Isto acontecia
na década de 1970, continua ocorrendo hoje (em pleno século XXI) e, não sei
porque cargas d’águas, me surpreendi.
Minha situação, no entanto, sempre foi amena, se
comparada com o quadro vivido pelos trabalhadores baianos no “moderno território
do capitalismo da Serra Gaúcha”. Quando, no início da minha atividade como
professor, me deparei com uma situação irregular, questionável do ponto de vista
da Legislação Trabalhista, tive o luxo de encarar a questão judicialmente.
Naquela época (1980), eu soube de um advogado (Tarso
Fernando Genro) que entrara com ações trabalhistas contra o Governo do Estado, requerendo
os direitos da CLT para os professores com “contrato emergencial” (meu caso), e
fui consulta-lo com um grupo de colegas.[i]
O advogado nos explicou:
– Frente à Legislação Trabalhista, só existem dois
casos: ou o sujeito é estatutário ou é regido pela CLT. Vocês, professores
contratados, não são uma coisa nem outra e isto é irregular. Vou requerer o
enquadramento de vocês como celetistas e, desta maneira, o ganho de uma série
de benefícios legais.
Demos autorização para o ingresso das ações (alguns
professores desistiram no meio do caminho, acho que ficaram com medo) e eu
acompanhei o processo com vivo interesse. No meu entendimento, uma aula a
respeito de como o mundo funcionava.
Me recordo de uma noite, na escola em Canoas,
quando vieram uns técnicos (acho que da Justiça do Trabalho) para medir a intensidade
da luz na sala de aula. Examinar se as condições de trabalho seguiam as exigências
legais, se a luz era adequada ou não.
O processo levou quatro anos para chegar ao final e
o resultado foi o esperado: vitória. Só não valeu a questão da qualidade ou
intensidade da luz, pois não havia legislação a respeito, como existia para o trabalho
dos bancários. O ganho financeiro possibilitou a compra de uma máquina de lavar,
um utensílio doméstico caro e super útil para um casal de professores (como era
meu caso) que acabava de ter uma filha. Afora isso, aprendi, na prática, que há
um front legal para enfrentar as irregularidades e/ou explorações do mundo do
trabalho. Nem tudo está perdido “no mundo regido pela lógica do Capital”.
De certa forma, era o que eu tematizava na sala de
aula: a realidade do mundo do trabalho, tão injusta para a maioria dos trabalhadores,
pode ser enfrentada, existem possibilidades de enfrentamento. Alguns – os homens
de vida amarga, do poema de Ferreira Gullar – vivem completamente à margem da
legislação, enquanto outros podem dispor da Justiça do Trabalho... Uma realidade
muito difícil de articular, mas que eu arriscava, provocando os alunos (crianças,
adolescentes e jovens adultos) a também falarem sobre o assunto.
[i] Quando
entrei na sala, Tarso estava falando com o pai por telefone – o seu Adelmo,
como eu viria conhecer e chamar nos anos 90, em Santa Maria, na Associação
Santa-Mariense de Letras, e com o qual faria livros coletivos de crônicas (“Da
Boca do Monte”, 2000; “O apito do trem”, 2002).
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