O melhor das aulas era o que surgia
espontaneamente. Eu sempre tinha um roteiro (plano de aula) escrito num caderno
(ou em folhas avulsas), mas não conseguia segui-lo. Nas aulas do Curso
Supletivo (na Escola Ana Néri) isso parecia ser a regra.
Certa noite, o planejamento do dia indicava a necessidade
de desenvolver o período da República Velha, dominada politicamente por cafeicultores,
voltados exclusivamente à exportação de seu produto, dispostos a fazerem a sociedade
e o Estado brasileiros girarem em torno dos seus interesses, e, de repente, aquela
conversa soou completamente sem sentido.
– Por que cargas d’águas a gurizada precisa
aprender isso? – eu perguntei a um colega, durante o intervalo.
Ele me respondeu na lata:
– Porque está no currículo, porque isso vai ser
cobrado deles em algum momento, em alguma prova ou concurso.
Era a resposta sabida e aceita, mas mesmo assim não
invalidava o questionamento.
As salas de aula na Escola Ana Néri eram pequenas,
atulhadas de classes e cadeiras, com pouco espaço para circulação, e muitas
vezes me senti acuado, de pé, diante dos alunos (espremido entre os alunos e o
quadro verde). Seguia o roteiro oficial (o currículo e as avaliações
recomendadas) e certa noite, ainda tratando da República Velha, abordei o
surgimento do mundo fabril, a nascente classe operária, a ausência de
legislação trabalhista e a formação dos primeiros sindicatos.
– Sindicatos são fundamentais para a classe
trabalhadora, pois asseguram melhores salários e também boas condições de
trabalho – enfatizei. – Olhem o que está ocorrendo no ABC paulista: um novo
sindicalismo está proporcionando ganhos concretos para os operários das montadoras
de automóveis. Um exemplo para o País.
Uma aluna na primeira fila fez uma careta e
acrescentou:
– Mas nem sempre é assim. Sindicalismo às vezes
atrapalha. Vê só o meu caso. Meu namorado trabalha no sindicato dos
comerciários, me viu lavando a vitrine da loja e denunciou o meu patrão. Eu fui
contratada para trabalhar no balcão e meu namorado disse que não era correto me
mandarem fazer serviço de limpeza. A loja pagou a multa e me mandou embora na
mesma hora. O que eu ganhei com o sindicato?
Fiquei parado escutando a guria, não sabendo como
encaixar a sua história na minha aula. Uma baita história, claro, um caso
concreto de ação sindical na vida de um trabalhador, mas não servia ao que eu
pretendia.
– Não é um bom exemplo – deu disse.
No entanto, a turma inteira concordava com ela. Sindicalismo
era coisa que aqueles jovens adultos – muitos deles empregados em lojas e escritórios
– não viam com simpatia. Pagavam o imposto sindical, mas pouco sabiam dos tais
sindicatos. Uma realidade distante das suas vivências cotidianas, enquanto eu,
um professor entusiasticamente associado ao CPERS, vivia integralmente o mundo
sindical.[i]
[i] Naquele
tempo, o CEPRS (Centro dos Professores do Rio Grande do Sul) ainda não era um
sindicato e, sim, uma associação. Só se tornou sindicato com a Constituição de
1988. Mas para muitos de nós, “professores engajados”, era como se fosse. A
entidade vivia uma grande transformação e crescimento, assumindo cada vez mais
uma postura de defesa dos “professores enquanto trabalhadores da educação”, rompendo
com a ideia do magistério como sacerdócio (ideia muito comum, mesmo entre os
professores), e colocando a categoria no “quadro mais amplo da luta da classe
trabalhadora”.
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