Não é um livro fácil, esse que o professor Ronai Rocha escreveu: Escola partida: ética e política na sala de aula (Editora Contexto, 2020, 160 p.). E a dificuldade não vem da linguagem nem da apresentação dos argumentos. Afinal, é livro de linguagem clara, elegante e precisa quanto aos conceitos, com tiradas de humor e também de poesia. Uma leitura deliciosa, que, ao menos no meu caso, provocou inusitadas gargalhadas. Difícil não rir de certas provocações do autor direcionadas aos educadores progressistas.
A dificuldade vem da disposição inicial do autor:
escutar os argumentos do Escola sem Partido e leva-los à sério. Mesmo
considerando equivocadas as premissas do movimento (o modo de articular moral e
religião), o autor considera o Escola sem Partido um sintoma do que
ocorre na escola brasileira: a presença excessiva do debate político na sala de
aula. Uma presença que provoca chateação em alguns pais de alunos e coloca
uma questão urgente: a de discutir a respeito da ética e da política em sala de
aula e, dessa maneira, a de pensar um código de ética do professor, capaz de
resguardar as crianças e os adolescentes da presença desse assunto que deve ser
exclusivo dos adultos: a política.
Um verdadeiro terreno minado, esse em que o autor
entra. Ora dar ouvidos a um movimento sabidamente instrumentalizado pelo
neofascismo! – escutei numa livraria. Ora querer afastar a política da sala de
aula e fazer da escola um campo alheio às discussões que incendeiam o País!
“O Brasil está partido”, afirma o autor, e é “no meio
dessa tragédia que estamos vivendo”. Essa divisão envolve a escola, adentra a
sala de aula e o autor entende que foi longe demais. Política é tarefa de adultos
em relações de igualdade e não entre adultos-professores e crianças-alunos,
em relações claramente assimétricas. A partir daí, Ronai Rocha postula a defesa
da escola como “um território neutro, imparcial, porque o coração das crianças
é sempre grande demais para abranger apenas uma igreja ou uma pátria”.
Em defesa da sua proposta, o autor se vale das
palavras inspiradas de Cecília Meireles (que militou a favor da Escola Nova,
nas décadas de 1930 a 50): “a escola tem de ser o território mais neutro do
mundo. Pode ser que os homens de hoje tenham o direito de combater outros
homens de hoje. Mas, porque assim é, não vai se admitir que as crianças de hoje
devam preparar-se, desde já, para, quando forem grandes, continuarem as lutas que
seus pais não tiveram tempo de concluir”.
Uma proposta polêmica, que tanto incomoda os professores progressistas (que entendem a educação como ato político) quanto os conservadores (que almejam as afirmações da moral e religião dominantes norteando a escola). Uma proposta muito distante da sensibilidade atual, tanto à esquerda quanto à direita, mas nem por isso menos necessária – caso se pretenda uma escola que cumpra o seu papel essencial: o de transmitir os conhecimentos necessários para o jovem adentrar no mundo adulto. Uma escola que ensine e eduque, antes de politizar as questões do seu tempo. Uma escola capaz de acolher as crianças e os adolescentes de diferentes orientações religiosas, morais e políticas.
Caríssimo Vitor, muito obrigado por essa leitura. Fico contente que tenhas lido o livro com alguma leveza. Esses temas são mesmo difíceis. E, de fato, para mim foi essencial criar uma situação de escrita que partisse de uma disposição de ouvir - uma espécie de escuta livremente atenta - os argumentos do Escola. Imagino que há gente que não tenha, nem disposição de fazer isso, porque, por assim dizer, pensar que "já sabe", e tampouco tenha paciência com meu pequeno ensaio. Que fazer? É claro que me chateio com isso, e o único remédio que tenho ao meu alcance é seguir escutando, lendo e escrevendo. Muito obrigado, forte abraço!
ResponderExcluirQue crônica que ficou boa acerca do livro, Vitor. A última frase condensa tudo sobre a importância da escola: "Uma escola capaz de acolher as crianças e os adolescentes de diferentes orientações religiosas, morais e políticas".
ResponderExcluirEsse adjetivo "neutro" nunca foi tão neutro assim, não é mesmo?
ResponderExcluirTeu olhar é o de um professor de história, alguém capaz de enxergar lutas antigas nos embates do presente.