segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Escola partida

           Não é um livro fácil, esse que o professor Ronai Rocha escreveu: Escola partida: ética e política na sala de aula (Editora Contexto, 2020, 160 p.). E a dificuldade não vem da linguagem nem da apresentação dos argumentos. Afinal, é livro de linguagem clara, elegante e precisa quanto aos conceitos, com tiradas de humor e também de poesia. Uma leitura deliciosa, que, ao menos no meu caso, provocou inusitadas gargalhadas. Difícil não rir de certas provocações do autor direcionadas aos educadores progressistas.

A dificuldade vem da disposição inicial do autor: escutar os argumentos do Escola sem Partido e leva-los à sério. Mesmo considerando equivocadas as premissas do movimento (o modo de articular moral e religião), o autor considera o Escola sem Partido um sintoma do que ocorre na escola brasileira: a presença excessiva do debate político na sala de aula. Uma presença que provoca chateação em alguns pais de alunos e coloca uma questão urgente: a de discutir a respeito da ética e da política em sala de aula e, dessa maneira, a de pensar um código de ética do professor, capaz de resguardar as crianças e os adolescentes da presença desse assunto que deve ser exclusivo dos adultos: a política.

Um verdadeiro terreno minado, esse em que o autor entra. Ora dar ouvidos a um movimento sabidamente instrumentalizado pelo neofascismo! – escutei numa livraria. Ora querer afastar a política da sala de aula e fazer da escola um campo alheio às discussões que incendeiam o País!

“O Brasil está partido”, afirma o autor, e é “no meio dessa tragédia que estamos vivendo”. Essa divisão envolve a escola, adentra a sala de aula e o autor entende que foi longe demais. Política é tarefa de adultos em relações de igualdade e não entre adultos-professores e crianças-alunos, em relações claramente assimétricas. A partir daí, Ronai Rocha postula a defesa da escola como “um território neutro, imparcial, porque o coração das crianças é sempre grande demais para abranger apenas uma igreja ou uma pátria”.

Em defesa da sua proposta, o autor se vale das palavras inspiradas de Cecília Meireles (que militou a favor da Escola Nova, nas décadas de 1930 a 50): “a escola tem de ser o território mais neutro do mundo. Pode ser que os homens de hoje tenham o direito de combater outros homens de hoje. Mas, porque assim é, não vai se admitir que as crianças de hoje devam preparar-se, desde já, para, quando forem grandes, continuarem as lutas que seus pais não tiveram tempo de concluir”.

Uma proposta polêmica, que tanto incomoda os professores progressistas (que entendem a educação como ato político) quanto os conservadores (que almejam as afirmações da moral e religião dominantes norteando a escola). Uma proposta muito distante da sensibilidade atual, tanto à esquerda quanto à direita, mas nem por isso menos necessária – caso se pretenda uma escola que cumpra o seu papel essencial: o de transmitir os conhecimentos necessários para o jovem adentrar no mundo adulto. Uma escola que ensine e eduque, antes de politizar as questões do seu tempo. Uma escola capaz de acolher as crianças e os adolescentes de diferentes orientações religiosas, morais e políticas.

3 comentários:

  1. Caríssimo Vitor, muito obrigado por essa leitura. Fico contente que tenhas lido o livro com alguma leveza. Esses temas são mesmo difíceis. E, de fato, para mim foi essencial criar uma situação de escrita que partisse de uma disposição de ouvir - uma espécie de escuta livremente atenta - os argumentos do Escola. Imagino que há gente que não tenha, nem disposição de fazer isso, porque, por assim dizer, pensar que "já sabe", e tampouco tenha paciência com meu pequeno ensaio. Que fazer? É claro que me chateio com isso, e o único remédio que tenho ao meu alcance é seguir escutando, lendo e escrevendo. Muito obrigado, forte abraço!

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  2. Que crônica que ficou boa acerca do livro, Vitor. A última frase condensa tudo sobre a importância da escola: "Uma escola capaz de acolher as crianças e os adolescentes de diferentes orientações religiosas, morais e políticas".

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  3. Esse adjetivo "neutro" nunca foi tão neutro assim, não é mesmo?
    Teu olhar é o de um professor de história, alguém capaz de enxergar lutas antigas nos embates do presente.

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