sábado, 26 de setembro de 2020

O poeta John Keats (crônica de viagem e cinema)

          Assisti ao filme Brilho de uma paixão, de Jane Campion, que aborda a relação amorosa vivida entre John Keats e Fanny Brawne, e lembrei de Roma, isto é, da casa em que o poeta morou em Roma. Um prédio de três andares na Piazza di Spagna, ao pé direito da Scaliata di Spagna (Escadaria Espanhola). Nessa casa, Keats viveu os últimos meses de sua vida (de novembro de 1820 a fevereiro de 1821). Tinha 25 anos quando morreu.

Piazza di Spagna. Ao fundo, a Scaliata di Spagna. À direita, o prédio onde morou John Keats.

Atualmente, funciona no local o Keats-Shelley Memorial House. Segundo o texto de divulgação do Memorial, o seu quarto é um “santuário” dedicado à sua trágica história e extraordinário talento. Um santuário recriado, pois nenhum dos móveis é original do período em que o poeta ali esteve – doente e acamado na maioria dos dias, devido à tuberculose.

Não visitei a casa. A Piazza di Spagna era um dos meus caminhos, mas quando decidi entrar, estava fechada. Não acertei o horário. Deu, no entanto, para ir ao Caffè Greco, ali perto, que o poeta frequentou. O café (em funcionamento desde 1760) é muito requisitado por turistas (vi dezenas de japoneses fazendo fila na porta) e aprendi a esperar o final do dia para frequentá-lo, hora em que diminui consideravelmente o público. Tomava café no balcão, acompanhado de um doce delicioso que não lembro o nome.

Caffè Greco, na Via Condotti.

O filme de Jane Campion é uma reconstituição belíssima (e ficcional, claro) da relação entre Keats e Fanny e me foi indicado (num curso virtual sobre história da arte) como exemplar do ideal de amor romântico: platônico e idealizado. Keats conhece Fanny em 1818 (ele com 22 anos; ela, 18) e o rapaz acaba de publicar Endymion. Os poemas provocam profundo impacto na moça e ela lê, extasiada, versos como esses:

“O que é belo há de ser eternamente

Uma alegria, e há de seguir presente.

Não morre; onde quer que a vida breve

Nos leve, há de nos dar um sono leve

Cheio de sonhos de calmo alento.”

Keats não era de família rica, havia deixado a Medicina para se dedicar à literatura e não tinha rendimentos para sustentar uma família. A mãe de Fanny avisa a filha da condição do poeta, desencorajando-a de se afeiçoar ao rapaz. Mas a moça insiste e a mãe deixa rolar. Um amigo também avisa o poeta que ele não tem dinheiro para casar (para prover a moça de renda francesa, segundo o personagem do filme), porém não é ouvido. O jovem casal se deixa embalar pelas afeições, amores (sempre platônico), idealizações de felicidade, muita poesia e não tem volta. É comovente.

A mãe, da sua parte, manobra ternamente a filha, protela o casamento para depois da viagem do poeta a Roma (tudo isso segundo o filme, mas de acordo com o que indicam os biógrafos), intuindo que o rapaz de saúde delicada não durará muito tempo.

No filme, o poeta não parece muito frágil de saúde (está até bem corado), mas, em 1820, quando noiva secretamente com Fanny, a tuberculose está avançada e os amigos temem o pior. Tanto é verdade que são esses amigos que financiam sua viagem e estadia em Roma, com esperanças de que o inverno menos rigoroso da Itália ajude o rapaz.

Doce ilusão dos amigos. A doença avança durante a viagem e a poeta morre quatro meses depois. No filme, nenhuma alusão à consumação do casamento e a ultrapassagem da barreira platônica. Na cena final, num plano geral da Piazza di Spagna, quatro homens de roupas escuras carregam um caixão sobre os ombros, descem alguns degraus da Escadaria Espanhola e conduzem o corpo até um carro fúnebre.

Na Piazza di Spagna, caminhando entre o Memorial dedicado a Keats e o Caffè Greco, eu imaginava que o poeta fora um desses ingleses que gozaram as delícias das viagens culturais pela Itália, o famoso Grand Tour... Ledo engano. Eu só conhecia a sua poesia e o filme me deu outra visão da sua trajetória.

Em Roma, Keats pouco gozou os prazeres da cidade. Definhou (passou boa parte do tempo, acamado), escreveu e sonhou. E talvez tenha escrito uma daquelas cartas maravilhosas endereçadas a Fanny, que certa vez escutei uma colega de mestrado (numa disciplina de Teoria da Literatura) se referir.

 

Obs.: O filme Brilho de uma paixão tem como título original “Bright Star” e remete a um poema de Keats, endereçado a Fanny. O roteiro e a direção (primorosos) são Jane de Campion, com Abbie Cornish e Ben Whishaw nos papéis principais. Austrália / Reino Unido, 2009, 119 min. No catálogo do Now, dublado.

Os versos de John Keats citados na crônica são tradução de Augusto de Campos.

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