Em 2017, visitei o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, e fiquei impactado com o quadro “Súplica de Inês de Castro”, de Vieira Portuense, um pintor lusitano. Uma tela que tematiza um dos episódios do caso político-amoroso vivido por Inês de Castro e D. Pedro, no século XIV.
"Súplica de Inês de Castro", de Vieira Portuense. |
Na tela, Inês suplica ao rei Afonso IV (avô de seus
filhos) pela vida das crianças. Essa é a explicação colocada ao lado do quadro.
Inês é amante do príncipe herdeiro (D. Pedro), vive em Coimbra (no Paço de
Santa Clara) e tem três filhos. Na cena do quadro, ela não pede pela sua vida, pois
na certa entende que foi considerada uma ameaça à Coroa, sua morte está decidida
(pelo rei e seus conselheiros) e dessa ela não escapa.
A pintura é de 1803, “afetada” por uma “teatralidade
quase operática” (texto da legenda do quadro, no museu), as roupas e a mobília
não correspondem ao período dos acontecimentos (o século XIV, o ano de 1355),
mas a dramaticidade é tocante.
Os olhos e as mãos de Inês são veementes, o rei está
comovido, e ao fundo dois homens sombrios observam a cena. Provavelmente dois
aristocratas, conselheiros do rei, que, com suas espadas, darão cabo da vida da
mulher. Os filhos serão poupados.
Não sei o motivo desse quadro ter me impressionado tanto
e de não o esquecer esses anos todos. Talvez porque represente uma das
histórias mais famosas do repertório lusitano. Dessas que escutei na juventude (no colegial, na universidade) e sobre a qual conversei com minha mãe (neta de português e que muito cultivava as coisas do mundo luso).
Parei diante do quadro e a comoção que vivi deve ter
sido semelhante à que os portugueses experimentaram, quando a tela foi
reapresentada em Lisboa, depois de décadas sumida. O quadro constou entre os
tantos objetos que a Família Real levou para o Brasil e ficou por
muito tempo no palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, inclusive durante o reinado de D.
Pedro II. Depois sumiu.
Reapareceu em Paris, num leilão, e foi arrematado pelo
Estado português pelo valor de 257 mil euros. Quando foi exposto pela primeira
vez no Museu de Arte Antiga, em 2009, teve 8.200 visitantes no primeiro mês - o que bem revela a permanência da comoção dos portugueses com o destino da infeliz amante.
Essa semana, li o romance de João Aguiar, Inês de Portugal,
que aborda o episódio e lembrei do quadro. É mais uma das tantas obras de ficção (desde Os
Lusíadas) que tematiza o caso. Adquiri o livro de João Aguiar logo após
sair do museu e não tinha lido até então.
Romance curto, enfoca a fúria de D. Pedro já estabelecido
como rei (com o título de D. Pedro I), disposto a vingar a morte da amante e obrigar
a corte (a mesma corte que concordou com o assassinato) a reconhecer Inês como
rainha. O translado do corpo da amante de Coimbra a Alcobaça, o enterramento em
local oficial de reis e rainhas, a perplexidade dos poderosos de então, os aristocratas e o alto clero. Mas sem a cena do beija-mão do cadáver (episódio talvez
improvável).
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