terça-feira, 8 de setembro de 2020

A eterna Inês de Castro (crônica de viagem)

           Em 2017, visitei o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, e fiquei impactado com o quadro “Súplica de Inês de Castro”, de Vieira Portuense, um pintor lusitano. Uma tela que tematiza um dos episódios do caso político-amoroso vivido por Inês de Castro e D. Pedro, no século XIV. 

"Súplica de Inês de Castro", de Vieira Portuense.

Na tela, Inês suplica ao rei Afonso IV (avô de seus filhos) pela vida das crianças. Essa é a explicação colocada ao lado do quadro. Inês é amante do príncipe herdeiro (D. Pedro), vive em Coimbra (no Paço de Santa Clara) e tem três filhos. Na cena do quadro, ela não pede pela sua vida, pois na certa entende que foi considerada uma ameaça à Coroa, sua morte está decidida (pelo rei e seus conselheiros) e dessa ela não escapa.

A pintura é de 1803, “afetada” por uma “teatralidade quase operática” (texto da legenda do quadro, no museu), as roupas e a mobília não correspondem ao período dos acontecimentos (o século XIV, o ano de 1355), mas a dramaticidade é tocante.

Os olhos e as mãos de Inês são veementes, o rei está comovido, e ao fundo dois homens sombrios observam a cena. Provavelmente dois aristocratas, conselheiros do rei, que, com suas espadas, darão cabo da vida da mulher. Os filhos serão poupados.

Não sei o motivo desse quadro ter me impressionado tanto e de não o esquecer esses anos todos. Talvez porque represente uma das histórias mais famosas do repertório lusitano. Dessas que escutei na juventude (no colegial, na universidade) e sobre a qual conversei com minha mãe (neta de português e que muito cultivava as coisas do mundo luso).

Parei diante do quadro e a comoção que vivi deve ter sido semelhante à que os portugueses experimentaram, quando a tela foi reapresentada em Lisboa, depois de décadas sumida. O quadro constou entre os tantos objetos que a Família Real levou para o Brasil e ficou por muito tempo no palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, inclusive durante o reinado de D. Pedro II. Depois sumiu.

Reapareceu em Paris, num leilão, e foi arrematado pelo Estado português pelo valor de 257 mil euros. Quando foi exposto pela primeira vez no Museu de Arte Antiga, em 2009, teve 8.200 visitantes no primeiro mês - o que bem revela a permanência da comoção dos portugueses com o destino da infeliz amante.

Essa semana, li o romance de João Aguiar, Inês de Portugal, que aborda o episódio e lembrei do quadro. É mais uma das tantas obras de ficção (desde Os Lusíadas) que tematiza o caso. Adquiri o livro de João Aguiar logo após sair do museu e não tinha lido até então.

Romance curto, enfoca a fúria de D. Pedro já estabelecido como rei (com o título de D. Pedro I), disposto a vingar a morte da amante e obrigar a corte (a mesma corte que concordou com o assassinato) a reconhecer Inês como rainha. O translado do corpo da amante de Coimbra a Alcobaça, o enterramento em local oficial de reis e rainhas, a perplexidade dos poderosos de então, os aristocratas e o alto clero. Mas sem a cena do beija-mão do cadáver (episódio talvez improvável).

          Trágica história, belo livro! Foi como se voltasse ao Museu Nacional de Arte Antiga. E até mais do que isso, como se conversasse com minha mãe, escutasse novamente meus professores e dialogasse, enfim, com todos aqueles que me revelaram a cultura lusitana. Um mundo fascinante, de riquezas intermináveis.

Livro citado: AGUIAR, João. Inês de Portugal. Alfragide: Leya / Bis, 2008. 112 p.

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