quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Rua da Praia

             David Coimbra produziu uma bela crônica sobre a Rua da Praia de décadas atrás – “Uma nostalgia de Porto Alegre” –, na edição de Zero Hora do último final de semana (dias 12 e 13 de setembro). Suas lembranças de menino passeando com a mãe, professora do Magistério Estadual, no centro da cidade e os dois indo lanchar nas Lojas Americanas, por volta de 1970. Comer um sanduíche cortado em triângulos e beber o suco de laranjas espremidas na hora.

Naquela época, a escada rolante das Americanas ainda era novidade, a Galeria Malcon, um local chique (“onde as gatinhas ondulavam de minissaia”, diz o cronista), a Casa Masson tinha fama de classuda e a Livraria do Globo reunia os intelectuais ilustres da cidade.

Acho que conheci essa Rua da Praia glamurosa que o cronista descreve. Cheguei a Porto Alegre em 1967, com onze anos de idade e me embasbaquei com tudo isso. Cumpri o roteiro obrigatório de todos os interioranos e fui conhecer a escada rolante das Americanas. Passeei pela Rua da Praia com pai, mãe e irmãos, tal qual fazíamos em Pelotas, na Rua XV de Novembro, mas logo meus pais perceberam que as duas cidades tinham ritmos diferentes. Não dava para repetir os mesmos hábitos.

Porto Alegre ganhava um novo padrão urbano e os porto-alegrenses logo nos avisaram disso. Em 1970, a Carris retirou os bondes de circulação e penso que esse foi um ponto de virada. Os bondes indicavam uma Porto Alegre tradicional, provinciana, e não se adequavam aos ares de metrópole que a cidade pretendia.

“Uma cidade que não existe mais”, conclui David Coimbra. Existe uma outra Porto Alegre, acrescento, não menos fascinante. Diferente, isso sim. Uma Porto Alegre e uma Rua da Praia que eu acompanhei mudar ao longo dos anos 70 e 80.

Vim para Santa Maria em 1991 e penso que essa distância me permitiu ver a Capital com olhos de simpatia. Sem viver o seu cotidiano, me tornei um visitante ocasional e sou desses que não perdem a oportunidade de descer “a colina da Praça Dom Feliciano” (expressão usada pelo cronista) e cruzar a Rua da Praia até a Casa de Cultura Mário Quintana.

Frequento o café do segundo andar da antiga Livraria do Globo (hoje o prédio é ocupado por uma filial das Lojas Renner) e gosto de observar a rua através das suas janelas. Observar, lembrar e constatar: Porto Alegre se reinventa.

A fauna humana continua variada e tanto se vê os apressados, os molambentos quanto os que caminham calmamente (talvez flanando como antigamente) e os engravatados, as senhora bem vestidas, as jovens faceiras. Na esquina da Rua da Praia com a Borges – a Esquina Democrática (ainda se usa essa expressão?) – pode-se observar o vendedor ambulante e o militante político, ambos vendendo o seu peixe. E arrisco dizer que tudo continua acontecendo na rua da Praia. Inclusive crianças de mãos com a mãe ou o pai, embasbacadas com o movimento, os prédios, as vitrines, sonhando com um sanduíche e um suco de frutas... numa lancheria que eu sequer faço ideia.

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