quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Dando uma banda na Champs Elysées

Alguém já escreveu que a viagem continua, mesmo depois de voltarmos para casa. Acho que foi o poeta Celso Gutfreind. Eu continuo viajando. Há um ano atrás, dei uma banda pela Avenida Champs Elysées e até hoje lembro o que vi, o que senti.

Cheguei a Paris vindo de Roma, enturmei com um grupo de professores e alunos da UFN (Universidade Franciscana) e cumprimos um extenso programa de visitas a locais de moda e de arte (o objetivo da excursão). O museu Yves Saint Laurent, a Fundação Louis Vitton, o Louvre, o D’Orsay, uma exposição sobre Maria Antonieta, outra sobre Van Gogh, o Palácio de Versalhes e assim por diante. A Catedral de Notre Dame estava fechada, devido ao incêndio do ano passado.

No primeiro dia, após a visita ao antigo atelier do estilista Yves Saint Laurent, saímos pela margem do Sena – Bebeto, Rose, Elsbeth, Lia e eu – a ver o que a cidade oferecia, naquele ensolarado e frio dia de outono. Guiados pelo professor Bebeto, o único que conhecia Paris, fomos descobrindo a cidade. A ponte Alexandre III sobre o Sena, a Avenida Winston Churchill (de um lado o Grand Palais; do outro, o Petit Palais) ocupada por sofisticados carros de food truck, com mesas e bancos sobre o asfalto. Já passava do meio-dia e a fome bateu.

Escolhemos pratos de frutos do mar (com camarões, salmão, ostras) e champanhe em taças de plástico. Nada mal para brindar a Cidade Luz, que cada um de nós enxerga a partir de um imaginário infinito, aonde cabe uma trilha sonora de Stravinsky, outra de Gershwin, um romance de Balzac, outro de Sartre ou Françoise Sagan, um filme de Godard, outro do Woody  Allen, e por aí vai.

Terminada a refeição, seguimos em direção a Champs Elysées e lembrei do filme Paris está em chamas, filmado em P&B, uma ficção ambientada no final da Segunda Guerra Mundial, quando os aliados chegam a Paris... Com cenas de documentário: Charles de Gaulle, cercado pela multidão, caminhando pela famosa avenida. Vá entender as lembranças de um professor de História! Filme assistido na década de 60, quando eu era guri de ginásio e cantava a Marselhesa nas aulas de francês.

Mas viajar é assim: a imaginação vai junto; os filmes, os livros e os discos também. E apesar de vibrante, fascinante, a Avenida Champs Elysées é também assustadora. A riqueza grita. Lojas de grifes famosas escancaram suas vitrines (Dior, Louis Vitton), há pequenas filas para entrar, e os seguranças (engravatados) acompanham atentos o movimento. E logo ali, quase vazia, uma perfumaria árabe (Arabian Oud), a respeito da qual a Rose me explica:

– Aqui se vendem frascos de mil dólares.

Paramos na vitrine, o vigilante até parece não nos ver, olhamos, rimos (“Isso não é pra nós”) e seguimos adiante. E vemos, ajoelhada na calçada, o corpo estendido, a cabeça coberta, uma mendiga estender um copo de café e pedir esmolas. Chocante. A Rose pega minha máquina fotográfica e registra a cena. A presença sombria daquilo que os estudiosos franceses apontam: a desigualdade social se multiplica, Paris se torna um território dos muitos ricos (decorrente da globalização, da desindustrialização, da diminuição dos setores médios) e a massa dos muito pobres se expande, alcançando dimensões que o Estado do Bem Estar Social desconhecia.

Mas não estávamos ali para fazer sociologia. Apenas passear, flanar como personagens baudelairianos (“De que valem as leis do que é justo ou injusto?”, escreveu o poeta, em "Lesbos"), e arrisco dizer que éramos como o lírico Baudelaire, escolhidos pelos deuses para cantar os encantos do mundo.

Peregrinamos até o Arco do Triunfo, devidamente embasbacados como convém a quem chega a Paris, e depois regressamos pela mesma calçada da Champs Elysées. As mesmas vitrines, cafés. As mesmas árvores, mendigos. Voltamos a Avenida Winston Churchill (o Grand Palais de um lado, o Petit Palais do outro), a ponte Alexandre III, e compramos bilhetes para navegar no Bateau Mouche.

Mas isso já é outro passeio, outro filme, outras impressões. Uma crônica para outro dia.

 

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