Meu avô paterno não conheceu Mussolini. Nunca fez
parte da multidão que o assistiu discursar da sacada do Palazzo Venezia, em
Roma, e apenas o escutou pelo rádio. Pelo menos era isso que meu pai e meus
tios falavam a respeito dele: que ele ligava o rádio em alguma emissora
italiana, escutava as notícias de sua terra natal e às vezes a voz do Duce. Ele
se emocionava com o grande líder. Admirava as suas realizações – provavelmente
a conquista da Abissínia (1935), o ingresso da Itália no conjunto das nações
colonialistas europeias – e a fama que conquistava no mundo, na elite europeia inclusive.
Anticomunista e autoritário, meu avô não teve
resistência em relação ao fascismo. Apenas em 1942, quando Vargas declarou
guerra ao Eixo e os italianos que viviam no Brasil passaram a sofrer alguns constrangimentos,
ele calou a sua admiração. A partir daí, ligava o rádio bem baixinho e escutava
as notícias da sua terra com o ouvido colado ao aparelho. Deve ter sido com
pesar que tomou conhecimento das derrotas do grande líder: a sua deposição do
cargo de ditador (pelos companheiros de partido, em 1943) e o seu fuzilamento pelos
partigiani (em 1945).
Pois foi desse avô que lembrei quando me deparei com o
Palazzo Venezia, quase dois anos atrás. Estava com meus colegas de Campus
Magnolle nas escadarias do Monumento a Vittorio Emanuele, a professora
explicava o que há para conhecer no Monte Capitolino e apontou para o famoso
palácio. “Era daquela sacada que Mussolini discursava às multidões”, ela disse.
Apesar do meu precário italiano, consegui compreender a referência ao Duce e
lembrei do meu avô – um homem que admirava Mussolini. Um homem que, de uma
cidade do interior do Rio Grande do Sul, nas décadas de 1920 e 30, diante de um
rádio, estava – de coração – com pés na Piazza Venezia, na frente do palácio,
escutando o grande líder.
Não conheci meu avô (ele morreu quando eu era criança)
e sei dele apenas pelos relatos do meu pai, tios e minha mãe. Mas sua figura
sempre me acompanhou (meu pai tinha verdadeira veneração por ele) e não foi por
nada que sua lembrança irrompeu quando eu estava em Roma. Entre outras coisas, a
admiração desse avô por Mussolini sempre foi motivo de conversa com meu pai e
devo ter perguntado mais de uma vez se o vô sabia o que era a doutrina
fascista. Meu pai garantia que não, que tudo não passava de uma relação sentimental
com a Itália e fui aprendendo que foi assim com muitos imigrantes italianos.
Palazzo Venezia, em Roma - antigo quartel-general de Mussolini. |
Os imigrantes vivenciaram com muito sofrimento a
inserção nos países da América (tanto no Brasil e Argentina, quanto nos Estados
Unidos) e Mussolini restabeleceu neles o orgulho de serem italianos. No final da
década de 1920, o Duce era festejado como uma resposta à “decadência da
democracia liberal” e não faltavam elogios ao seu estilo de governar. Muitas celebridades
passavam por Roma para conhecer o ditador – Gandhi, entre elas, em 1931 – e até
falava-se de uma “Internacional fascista
”. Em 1933, em Nova Iorque, um dos
emissários políticos de Mussolini discursou para os seus compatriotas e
afirmou: “É para vocês, operários, que se dirigem o orgulho e o amor do Duce.
Sintam orgulho de serem italianos [...] sobretudo vocês, operários de braços
incansáveis e corações simples. [...] Mussolini encerrou a era das humilhações.
Ser italiano é um título honorífico.”
Se meu avô escutasse isso, um imigrante que colheu
café em fazenda paulista e depois se fez ferroviário no Rio Grande do Sul, o
que sentiria? Natural que se enchesse de orgulho e se fizesse um fascista também. Predisposição
para isso ele tinha (o anticomunismo e o pouco apreço pela democracia liberal)
e o grande líder na certa o fazia reparar antigos ressentimentos.
Mesmo depois do alinhamento com Hitler e as primeiras
derrotas na guerra europeia, meu avô manteve a simpatia pelo líder. Ligava o
rádio baixinho (para não se incomodar com os vizinhos nem com as autoridades
brasileiras) e acompanhava as notícias da Itália. De coração, meu avô devia
andar pela Piazza Venezia – e foi com a sua lembrança (especialmente o
sentimento que meu pai me passava desse austero imigrante) que também
atravessei a mesma praça.
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