A foto acima é um recuerdo familiar: meu avô materno
com sua turma do Tiro de Guerra, em Pelotas, no dia 15 de novembro de 1919. Na
fileira dos atiradores de pé, ele é o terceiro, da direita para a esquerda. Um rapaz
de estatura baixa, 22 anos, filho de imigrante português, muito bonito. Na sua
turma do Tiro de Guerra ele aprendeu a manejar o fuzil Mauser (é isso que
lembro ele contar), fazer “ordem unida” e se orgulhar disso. Contava que a
arma pesava quase cinco quilos (mais precisamente 3,8 kg, se fosse uma Mauser
Modelo 1908), muito difícil de apoiar no ombro e fazer a mira. Pelos seus comentários,
imagino que teve apenas noções de tiro, mas era reservista e seria convocado
pelo Exército em caso de necessidade.
Quando encontrava algum antigo companheiro do Tiro de
Guerra, recordo que ele e o amigo riam, lançavam algum olhar nostálgico e sempre
falavam de alguma lembrança saborosa desses tempos de “treinamento militar”. Ou,
pelo menos, era isso que o neto criança imaginava. Mais tarde, já crescido e
interessado em história militar, conversei com ele sobre o assunto, mas ele não
contou (ou não lembro) nenhuma história específica. Falava apenas da Mauser
pesada no ombro e o orgulho que sentiu pelo fato de poder ser "chamado pela
Pátria” quando ela precisasse de homens para defende-la. Mas fazia esse último
comentário com um riso maroto, que me fazia pensar que não acreditava muito que
sua turma pudesse ter condições de defender a Pátria militarmente.
Com a foto acima nas mãos, minha mãe e eu tentamos
várias vezes reconstituir as histórias do avô, mas não fomos muito longe, isto é,
não fomos além de recordar a satisfação que ele revelava ao contar que se
tornara “reservista do Tiro de Guerra”. Uma foto pequena do avô, com este mesmo
fardamento, sem o quepe, minha mãe às vezes trazia na carteira e outras vezes deixava
dentro de uma caixinha de joias da Joalheria Pinto Ferreira... Lembranças que se embaralham na minha memória, hoje em dia.
O Tiro de Guerra teve origem numa Sociedade de Tiro criada na cidade de Rio Grande e ganhou impulso após a Grande Guerra. O vô nunca
deixou de se referir à 1ª Guerra Mundial como a “Grande Guerra” e parece nunca
ter esquecido as notícias de barbaria daquele conflito. Em 1923 (durante a hoje
chamada “Revolução de 23”) a tropas rebeldes de Zeca Netto tomaram Pelotas por
um dia e esse parece ter sido o acontecimento militar que meu avô mais viveu de perto.
– O Exército convocou vocês para defender a cidade? –
eu lembro de ter perguntado.
– Não, isso era coisa entre os rebeldes e o Presidente do
Estado (Borges de Medeiros). O Exército nem se meteu nisso – ele deve ter
explicado ao menino que eu era.
Minha mãe e eu várias vezes tentamos reconstituir a
história desse avô e sempre nos faltou informação. Mas restou essa foto, a foto
de um rapaz fardado e orgulhoso, que olha altivo para a câmara, que olha altivo
para mim e parece perguntar se tenho alguma noção de arma de fogo para defender
a Pátria em caso de necessidade.
– Certamente que não – eu digo mentalmente, imaginando
que essa resposta seria motivo para mais conversa entre nós. Afinal, o
rio-grandino que criou a sociedade de tiro que deu origem ao Tiro de Guerra, em
Rio Grande, no início do século XX, imaginava uma sociedade de civis armados
(com fuzis em casa inclusive) prontos a serem chamados para defender a Pátria,
como se fossem habitantes da antiga Roma e isso – ter esse preparo militar – nunca foi coisa que tivemos.[i]
[i]
Segundo o historiador militar Claudio Moreira Brito, o rio-grandino (Antônio Carlos Lopes) que criou a
Sociedade de Propaganda do Tiro de Guerra, em Rio Grande (1902), organização
que deu origem ao Tiro de Guerra no país inteiro, se inspirou no sistema de
defesa militar da Suíça, no qual homens com formação militar tinham armas em casa
e seriam chamados em caso de guerra (como era na antiga Roma antes da profissionalização do exército).
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