O retorno do herói foi um dos filmes selecionados no recente Festival Varilux de
Cinema Francês. Uma comédia ambientada no período das guerras napoleônicas, na
qual um elegante hussardo francês (integrante da cavalaria) pede a mão de uma
jovem aristocrata e no mesmo dia é convocado para a Campanha da Áustria (1809).
Ele promete escrever todos os dias para a adorável noivinha, não escreve uma
única carta e desaparece. Alguns anos depois, quando regressa, descobre que a
irmã da noiva escreveu cartas por ele (para salvar a irmã de terrível
depressão) e que ele se tornou um herói para a família da noiva e para a cidade.
Sem escrúpulo, encarna o personagem criado pelas cartas imaginárias e narra as
suas peripécias heroicas para uma plateia encantada. Em resumo, passa a faturar em cima da sua fama de herói.
Um dia, porém, conta a sua verdadeira história: a de um
oficial que participou de uma carga de cavalaria contra as tropas austríacas –
durante a batalha de Essling, nos arredores de Viena – e assistiu durante poucos
minutos mais de 300 cavalarianos do seu regimento morrerem devido ao bombardeio
dos canhões inimigos. É o único momento do filme em que o tom de comédia
desaparece. De forma emocionada e pausada, o personagem narra o espetáculo de
horror que presenciou para uma plateia em estado de choque. Um clarão de horror
numa comédia ligeira e logo o filme volta ao seu tom de humor, por sinal muito
bom. Divertimento garantido, como se diz.
Não conto mais a respeito do filme para não tirar a
surpresa de um possível espectador. A guerra é sempre um tema empolgante e é
muito bom quando o cinema a aborda de forma humorada, indicando as diversas
maneiras que os homens têm de lidar com o horror dos combates (um horror que
nos constitui, que é parte integrante da nossa civilização). No caso desse
filme, a saída do personagem não é nada honrosa do ponto de vista da ética
militar – mas, sem dúvida, é uma alternativa muito humana. Afinal salvar a
própria pele é sempre algo humano, vergonhosamente humano às vezes.
O filme, ou melhor, a cena em que o personagem narra a
sua participação na batalha de Essling me lembrou um conto de Prosper Mérimée
que nunca esqueci (e várias vezes citei em sala de aula): “A tomada do reduto”,
escrito em 1829. Nesse conto, um oficial francês narra a sua vivência em outra das guerras napoleônicas (a Campanha da Rússia, 1812), na
tomada do reduto de Chevardino, próximo a Moscou. O personagem é um oficial de infantaria, ele marcha contra os russos entrincheirados no reduto e assim narra o ataque:
Vibraram todos
os fuzis. Fechei os olhos, e ouvi um espantoso fragor, seguido de gritos e
gemidos. Abri os olhos, surpreso de ainda me encontrar no mundo. [...] Achava-me
cercado de feridos e mortos. Meu capitão jazia estendido a meus pés, com a
cabeça estraçalhada por uma bala de canhão, e eu estava coberto de seu cérebro e
seu sangue. De toda a minha companhia, só restavam de pé seis homens e eu.
Algo semelhante viveu o personagem do filme O retorno do herói: ele também se viu “cercado
de feridos e mortos”. Os dois, o hussardo da batalha de Essling e o infante da
tomada de Chevardino, sobreviveram aos massacres que Napoleão Bonaparte protagonizou
na Europa do início do século XIX, massacres fundamentais para a constituição da
Civilização Européia. Os dois foram sobreviventes e testemunhos do horror napoleônico.
Um bom filme. Saí do cinema pensando que o indicaria
para os meus alunos, se ainda fosse professor de História.
Como escritor indicou para os teus leitores! Obrigada, aos alunos, o convite para leitura do blog.
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