Cursei o ginásio em colégio
católico, no final dos anos 60. Vivia em Porto Alegre naquele tempo. Um dia, o
Irmão José, nosso professor de inglês, viu meus colegas e eu com um disco dos
Beatles – o “Sgt. Pepper’s” – e veio nos fazer uma preleção a respeito das
“mensagens subliminares” daquelas canções. Estávamos no pátio da escola, aguardando
o sino tocar para o início das aulas, e o professor nos deixou de queixo caído.
Segundo
ele, os rapazes de Liverpool tinham intenções subversivas em relação aos
valores da Civilização Ocidental e, do ponto de vista católico, não eram
recomendáveis. O professor não iria confiscar o disco, mas era melhor recolher
o material e só nos entregar no final das aulas.
Eu ganhara
o disco no último Natal, presente do pai (acho que aquele long-play era o meu,
não recordo direito), e não entendera aquela conversa quanto aos Beatles estarem
mancomunados com o comunismo internacional e favorecerem a dissolução dos valores
cristãos, em especial aqueles relativos à ordem familiar: a autoridade paterna,
a castidade dos jovens e coisas assim.
Foi
uma conversa que nos deixou de cabelos em pé, a nós, ginasianos que “amavam os
Beatles e os Rolling Stones”, mas que não deixavam de ir à missa aos domingos. Nós
nos dividíamos quanto a opinião em relação ao “Sgt. Pepper’s”, diferente de
tudo quanto escutáramos dos Beatles até então, mas estávamos gostando. Ainda não
usávamos a expressão “baita som”, mas devia ser mais ou menos isso que
falávamos.
Lembrei
disso outro dia, folheando um livro num sebo de Porto Alegre, no qual havia
referência a uma publicação norte-americana, de 1964, intitulada Comunismo, hipnotismo e Os Beatles, do
pastor David Nobel. Talvez o Irmão José tivesse lido o livro.
Segundo
o pastor David Nobel, as canções dos rapazes de Liverpool continham “mensagens
subliminares” e eles tinham sido treinados em Moscou com técnicas de hipnotismo...
Se a conversa do Irmão José não era essa, era parecida: os Beatles como
prováveis agentes do comunismo internacional, atuando no sentido de entorpecer a
mente dos jovens e dissuadi-los do bom caminho.
Hoje, isso
me parece absurdo, mas era comum naquele final dos anos 60 ver subversão e/ou
intenções malévolas no campo das artes. Pais e professores costumavam divagar
com essas coisas, mas a maioria de nós (os jovens) nem sempre caímos na
conversa.
Coisas daqueles tempos, insisto em afirmar. Mas a atual discussão sobre o que acontece no mundo das artes – a exposição queer no
Santander Cultural, a performance com nudez no Museu de Arte Moderna paulista –
me indicam que provavelmente estou enganado.
Basta ver as pessoas na capa do disco e o que elas representaram. Seu professor tinha razão.
ResponderExcluirReacionários no século XXI ...
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