Li no Lisboa em Pessoa: guia turístico e literário
da capital portuguesa, de João Correia Filho, que na Torre de Belém se
encontra uma cabeça de rinoceronte esculpida. Ela é visível numa das salas da
Torre, a Sala do Governador. É a cabeça do rinoceronte que serviu de modelo
para a famosa gravura de Albert Dürer, segundo o autor. O animal foi um
presente que Afonso de Albuquerque ganhou de um sultão do Oriente e que chegou a
Lisboa em 1515. Um alemão que estava em Portugal viu o animal, desenhou o bicho
e enviou a ilustração a um amigo de Dürer. Foi a partir disso que o artista
realizou a sua gravura.
Eu
conhecia outra versão, com elementos mais rocambolescos. O rinoceronte foi
enviado pelo rei Dom Manuel para o papa, em Roma. O navio que levava o animal
naufragou, o bicho morreu e seus restos chegaram até a praia. Dürer estava na
Itália, viu a carcaça do animal e, a partir daí, recriou o bicho. Tenho
lembrança de ter lido isso num livro de John dos Passos sobre as navegações
portuguesas, com longas transcrições dos cronistas da época, mas não tenho
certeza.[i] Só
espero não estar inventando.
Dei uma
olhada no Google e constatei que ao menos as informações a respeito do rei de
Portugal enviar o rinoceronte ao papa, o navio naufragar e o rinoceronte morrer
afogado são verdadeiras. O resto, quando ao modo como Albert Dürer tomou
conhecimento do animal, há controvérsias. Seja como for, em nenhuma das versões
Dürer bateu os olhos no rinoceronte vivo. Coisas que a gente não soluciona com
guias turísticos, mas se diverte mesmo assim.
Quando
estive na Torre de Belém, não visitei a Sala do Governador. Havia um grupo de adolescentes
portugueses visitando o local, eles faziam uma bagunça enorme nas estreitas
escadarias da Torre e me restringi ao terraço. Depois desci ao calabouço, que
estava praticamente vazio, e fiquei por lá. São muito bonitas as aberturas para
os canhões e a maravilhosa vista do Tejo. Fiquei me imaginando um vigia do tempo
das caravelas...
Neste
dia, quando sai da Torre, havia muitas crianças de escola, todas muito
disciplinadas, esperando a hora da visitação.
Crianças,
por sinal, são muito interessantes de serem observadas nesses locais –
especialmente quando ficam quietinhas escutando as explicações da professora.
No Museu Calouste Gulbenkian (também em Lisboa) acompanhei um conjunto de
crianças bem pequenas, sentadas ao redor de uma escultura chamada “São Martinho
a cavalo partilhando a capa com um mendigo”, do século XVI. Elas ouviam com
atenção a professora e eu aprendi junto com elas a respeito desse bispo
francês, São Martinho, e seu espírito caritativo.
João
Correio Filho indica o Calouste Gulbenkan como visita obrigatória e destaca
um quadro de Rembrandt (Retrato de um
velho – ou Figura de velho,
conforme catálogo do museu) e as jóias de René Lalique como pontos altos. O
local não existia no tempo de Pessoa e só foi inaugurado no final dos anos 60.
Entre o acervo, eu destacaria também a coleção de obras orientais (da Pérsia,
Armênia, Índia) e o mobiliário francês do século XVIII, que me impressionaram
bastante. Mas tem muito mais.[ii]
Jardins da Fundação Calouste Gulbenkian. |
Na primeira vez que visitei o museu, andava lendo sobre Giacomo Casanova (Eu, Casanova, confesso - romance de Flávio Braga) e fiquei admirado com a sensualidade da arte decorativa francesa (principalmente com os quadros, muito explícitos). Cenário adequado para as aventuras de Casanova, que treinava e vendia moças educadas para os nobres da corte de Luís XV, que as usufruíam durante alguns meses e depois as descartavam. Coisas da alta cultura francesa. Coisas que a gente aprende nos museus - e se diverte.
[i] O livro de John dos Passos talvez seja Portugal:
três séculos de expansão e descobrimento (Ed. Íbis, 1970), um relato historiográfico e não um romance. John dos Passos
era originário de família das Ilhas dos Açores e admirava as realizações
lusitanas do período das Grandes Navegações.
[ii] Calouste Gulbenkian foi um magnata armênio da área petrolífera e grande
colecionador de arte. Durante a Segunda Guerra refugiou-se em Portugal e, ao
morrer (1955) “legou seus bens aos portugueses”, dando origem à Fundação que
leva seu nome.
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