segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Lisboa turística (2)

Li no Lisboa em Pessoa: guia turístico e literário da capital portuguesa, de João Correia Filho, que na Torre de Belém se encontra uma cabeça de rinoceronte esculpida. Ela é visível numa das salas da Torre, a Sala do Governador. É a cabeça do rinoceronte que serviu de modelo para a famosa gravura de Albert Dürer, segundo o autor. O animal foi um presente que Afonso de Albuquerque ganhou de um sultão do Oriente e que chegou a Lisboa em 1515. Um alemão que estava em Portugal viu o animal, desenhou o bicho e enviou a ilustração a um amigo de Dürer. Foi a partir disso que o artista realizou a sua gravura.


Eu conhecia outra versão, com elementos mais rocambolescos. O rinoceronte foi enviado pelo rei Dom Manuel para o papa, em Roma. O navio que levava o animal naufragou, o bicho morreu e seus restos chegaram até a praia. Dürer estava na Itália, viu a carcaça do animal e, a partir daí, recriou o bicho. Tenho lembrança de ter lido isso num livro de John dos Passos sobre as navegações portuguesas, com longas transcrições dos cronistas da época, mas não tenho certeza.[i] Só espero não estar inventando.
Dei uma olhada no Google e constatei que ao menos as informações a respeito do rei de Portugal enviar o rinoceronte ao papa, o navio naufragar e o rinoceronte morrer afogado são verdadeiras. O resto, quando ao modo como Albert Dürer tomou conhecimento do animal, há controvérsias. Seja como for, em nenhuma das versões Dürer bateu os olhos no rinoceronte vivo. Coisas que a gente não soluciona com guias turísticos, mas se diverte mesmo assim.
Quando estive na Torre de Belém, não visitei a Sala do Governador. Havia um grupo de adolescentes portugueses visitando o local, eles faziam uma bagunça enorme nas estreitas escadarias da Torre e me restringi ao terraço. Depois desci ao calabouço, que estava praticamente vazio, e fiquei por lá. São muito bonitas as aberturas para os canhões e a maravilhosa vista do Tejo. Fiquei me imaginando um vigia do tempo das caravelas...

Neste dia, quando sai da Torre, havia muitas crianças de escola, todas muito disciplinadas, esperando a hora da visitação.
Crianças, por sinal, são muito interessantes de serem observadas nesses locais – especialmente quando ficam quietinhas escutando as explicações da professora. No Museu Calouste Gulbenkian (também em Lisboa) acompanhei um conjunto de crianças bem pequenas, sentadas ao redor de uma escultura chamada “São Martinho a cavalo partilhando a capa com um mendigo”, do século XVI. Elas ouviam com atenção a professora e eu aprendi junto com elas a respeito desse bispo francês, São Martinho, e seu espírito caritativo.
João Correio Filho indica o Calouste Gulbenkan como visita obrigatória e destaca um quadro de Rembrandt (Retrato de um velho – ou Figura de velho, conforme catálogo do museu) e as jóias de René Lalique como pontos altos. O local não existia no tempo de Pessoa e só foi inaugurado no final dos anos 60. Entre o acervo, eu destacaria também a coleção de obras orientais (da Pérsia, Armênia, Índia) e o mobiliário francês do século XVIII, que me impressionaram bastante. Mas tem muito mais.[ii]
Jardins da Fundação Calouste Gulbenkian.
Na primeira vez que visitei o museu, andava lendo sobre Giacomo Casanova (Eu, Casanova, confesso - romance de Flávio Braga) e fiquei admirado com a sensualidade da arte decorativa francesa (principalmente com os quadros, muito explícitos). Cenário adequado para as aventuras de Casanova, que treinava e vendia moças educadas para os nobres da corte de Luís XV, que as usufruíam durante alguns meses e depois as descartavam. Coisas da alta cultura francesa. Coisas que a gente aprende nos museus - e se diverte.


[i] O livro de John dos Passos talvez seja Portugal: três séculos de expansão e descobrimento (Ed. Íbis, 1970), um relato historiográfico e não um romance. John dos Passos era originário de família das Ilhas dos Açores e admirava as realizações lusitanas do período das Grandes Navegações.
[ii] Calouste Gulbenkian foi um magnata armênio da área petrolífera e grande colecionador de arte. Durante a Segunda Guerra refugiou-se em Portugal e, ao morrer (1955) “legou seus bens aos portugueses”, dando origem à Fundação que leva seu nome.

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