Entre 1890 e 1894, funcionou uma
colônia anarquista no município de Palmeira, no Paraná, a cem quilômetros de
Curitiba. Aparentemente, era uma colônia como tantas outras, criada por emigrantes
europeus, que atravessavam o Atlântico subsidiados pelo Governo brasileiro para
substituir a mão-de-obra escrava ou ocupar as regiões consideradas despovoadas.
As colônias de imigrantes
europeus tinham como base a propriedade privada e a organização familiar, mas
essa – batizada Colônia Cecília – norteava-se por outros princípios: a
propriedade coletiva e a família comunal. Uma sociedade anárquico-comunista, criada
com a pretensão de desconstruir “toda forma doméstica de relações sexuais”, estabelecer
o amor livre, visto que a família era considerada “o principal sustentáculo do
regime capitalista” (do egoísmo e da apropriação privada de riquezas) e
“incompatível com a vida socialista”.
Seguramente um caso único entre
as colônias criadas no Brasil, na época da Grande Imigração Europeia. Um belo e
fracassado empreendimento experimental, que durou quase quatro anos. Chegou a
comportar 300 colonos, mas a debandada era constante e geral. Poucos
aguentavam. A situação material era precária, a produção coletiva não dava
conta do recado, as assembleias deliberativas eram constantes e, ao que tudo
indica, havia necessidade de muito apego ao ideário anarquista para aguentar o
rojão.
O projeto de família comunal não
se concretizou e, em 1893, num relatório a respeito da vida na colônia, apenas
dois casos de amor livre foram registrados – os dois devidamente apresentados e discutidos em assembleia. Um deles – entre Giovanni, Eleda e
Aníbal – apresentado minuciosamente num instigante texto intitulado “Uma
história de amor na Colônia Cecília”, de autoria de um dos participantes do
caso, Giovanni Rossi (por sinal, o principal líder e ideólogo da colônia).
Texto instigante, ao menos, para aqueles que acham (santa ingenuidade, dirão
alguns) que é possível transformar as relações amorosas, consolidadas pela
tradição e pelas características psicológicas dominantes de homens e mulheres.
Encontrei o texto, nesse último
final de semana, bem guardado em uma das minhas estantes – bem guardado para
uma leitura num dia que nem sabia qual. O texto faz parte de um
conjunto de quatro opúsculos escritos por Giovanni Rossi, traduzidos e
organizados por Mariza Vicentini e Miguel Sanches Neto, publicados pela
Imprensa Oficial do Paraná, em 2000. Miguel Sanches Neto, por sinal, em 2005, lançou
um fabuloso romance chamado “Um amor anarquista”, baseado nesse episódio.
Elucidativos e instigantes os
textos de Giovanni Rossi, em especial o que enfoca a sua história amorosa com
Eleda (do qual extraí os trechos colocados entre aspas apresentados nesta
crônica). Giovanni narra seu caso amoroso com objetividade e o vê também
como um experimento científico. Para ele, a revolução social provocaria a
emancipação econômica e, obrigatoriamente, a emancipação afetiva. A colônia anárco-comunista propiciaria essa emancipação e, dessa maneira, o “problema do amor” se
encaminhava para “uma solução espontânea, lógica e necessária”.
Um otimista (e talvez um simplista em relação à natureza humana), esse Giovanni Rossi, agrônomo e militante anarquista. Viveu a experiência da Colônia Cecília até 1894 (quando esta se enquadrou ao padrão normal das colônias) e depois passou a exercer carreira de agrônomo no Rio Grande do Sul (em Taquari) e Santa Catarina. Voltou para a Itália em 1907, junto com Eleda e duas filhas, e talvez tenha continuado apostando na possibilidade do socialismo democrático, do amor livre, da família comunal, e de outros delírios do gênero. Morreu em 1943, aos 86 anos de idade, e não consegui informações sobre essa fase final da sua vida.
Após publicar o comentário acima, um leitor me indicou o esclarecedor artigo de Isabelle Felice, "A verdadeira história da Colônia Cecília de Giovanni Rossi" (1998), facilmente encontrável no Google. Entre outras coisas, fica-se sabendo que no triângulo amoroso Giovanni, Eleda & Anibal havia uma quarta pessoa, o jovem Jean Géléac, pai do primeiro filho de Eleda - e que o anarquista Giovanni, após voltar a Itália, jamais comentava com os filhos o ousado empreendimento que tentara no Brasil.
Um otimista (e talvez um simplista em relação à natureza humana), esse Giovanni Rossi, agrônomo e militante anarquista. Viveu a experiência da Colônia Cecília até 1894 (quando esta se enquadrou ao padrão normal das colônias) e depois passou a exercer carreira de agrônomo no Rio Grande do Sul (em Taquari) e Santa Catarina. Voltou para a Itália em 1907, junto com Eleda e duas filhas, e talvez tenha continuado apostando na possibilidade do socialismo democrático, do amor livre, da família comunal, e de outros delírios do gênero. Morreu em 1943, aos 86 anos de idade, e não consegui informações sobre essa fase final da sua vida.
Após publicar o comentário acima, um leitor me indicou o esclarecedor artigo de Isabelle Felice, "A verdadeira história da Colônia Cecília de Giovanni Rossi" (1998), facilmente encontrável no Google. Entre outras coisas, fica-se sabendo que no triângulo amoroso Giovanni, Eleda & Anibal havia uma quarta pessoa, o jovem Jean Géléac, pai do primeiro filho de Eleda - e que o anarquista Giovanni, após voltar a Itália, jamais comentava com os filhos o ousado empreendimento que tentara no Brasil.
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