quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Chapéu de cowboy


         Quando o pintor Paul Gauguin chegou pela primeira vez ao Taiti, em 1891, ele trazia “o cabelo comprido e avermelhado cobrindo os ombros, por baixo de um vasto chapéu de feltro, marrom de aba larga, como [de] um cowboy”. Para David Sweetman, um dos seus biógrafos, esse visual do artista destoava dos costumes locais, causava impacto entre os nativos e era revelador da sua postura fantasiosa. Guaguin era um pintor talentoso e inquieto, que procurava o mundo selvagem das Ilhas da Polinésia a partir do imaginário colonialista da época, em especial da literatura que romanceava os povos da Ásia e da África.
A conclusão de David Sweetman é a de que Paul Guaguin, debaixo daquele chapéu de cowboy, teve muita dificuldade de entender os códigos da cultura nativa. Apesar de aprender a língua local, de cedo arranjar uma noiva-adolescente e se envolver com as pessoas, a paisagem e os costumes locais, ele os entendeu a partir das suas inquietações e necessidades, e não soube se colocar no lugar do outro, o colonizado.
Verdade que, no caso de Guaguin, apesar da influência do imaginário colonialista, seu envolvimento com a cultura local resultou numa arte de grande qualidade, que encantou os europeus cultos da sua época e influenciou a arte do século XX – em especial a arte que bebeu nas cores e formas do “mundo primitivo” da Ásia e da África.
Resgato essa história de Guaguin porque ela é emblemática da postura de muitos viajantes até hoje: aqueles que são seduzidos por lugares distantes e se põem a desbravar esses locais a partir de referenciais fantasiosas, em especial aquelas produzidas pela literatura e o cinema. Em outras palavras, penso nos viajantes que saem pelo mundo acreditando serem capazes de decifrar quaisquer códigos culturais, mas esquecem que trazem um chapéu de cowboy enfiados na cabeça – um chapéu que representa o imaginário de sua época, da sua classe ou do seu grupo social.
Às vésperas de embarcar para a Itália, pela primeira vez, relembro essas histórias e fico pensando a respeito do meu chapéu de cowboy. Meus avós paternos vieram da Itália nas primeiras levas de imigrantes, no final do século XIX, e tenho camadas de fantasias a respeito do seja esse país. Desde criança escuto histórias da “terra dos antepassados” e dentro de mim existe um menino que acredita que em cada povoado italiano há uma igreja ricamente decorada, com alguma madona renascentista num nicho lateral, venerada pelos camponeses locais. Camadas e camadas de fantasia que, na certa, terei de desbastar. Isto se conseguir tirar o meu chapéu de cowboy.

Um comentário:

  1. Fui teu admirador desde que li o ensaio sobre o Grupo Quixote, agora mais ainda com essas crônicas. Pretendo adquiri-las nas Feiras do Livro de Porto Alegre, na editora Movimento.

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