Quando
o pintor Paul Gauguin chegou pela primeira vez ao Taiti, em 1891, ele trazia “o
cabelo comprido e avermelhado cobrindo os ombros, por baixo de um vasto chapéu
de feltro, marrom de aba larga, como [de] um cowboy”. Para David Sweetman, um
dos seus biógrafos, esse visual do artista destoava dos costumes locais,
causava impacto entre os nativos e era revelador da sua postura fantasiosa. Guaguin era um pintor talentoso e inquieto, que procurava o mundo
selvagem das Ilhas da Polinésia a partir do imaginário colonialista da época,
em especial da literatura que romanceava os povos da Ásia e da África.
A conclusão de David Sweetman é a
de que Paul Guaguin, debaixo daquele chapéu de cowboy, teve muita dificuldade
de entender os códigos da cultura nativa. Apesar de aprender a língua local, de
cedo arranjar uma noiva-adolescente e se envolver com as pessoas, a paisagem e os
costumes locais, ele os entendeu a partir das suas inquietações e necessidades,
e não soube se colocar no lugar do outro, o colonizado.
Verdade que, no caso de Guaguin, apesar
da influência do imaginário colonialista, seu envolvimento com a cultura local
resultou numa arte de grande qualidade, que encantou os europeus cultos da sua
época e influenciou a arte do século XX – em especial a arte que bebeu nas
cores e formas do “mundo primitivo” da Ásia e da África.
Resgato essa história de Guaguin
porque ela é emblemática da postura de muitos viajantes até hoje: aqueles que
são seduzidos por lugares distantes e se põem a desbravar esses locais a partir
de referenciais fantasiosas, em especial aquelas produzidas pela literatura e o
cinema. Em outras palavras, penso nos viajantes que saem pelo mundo acreditando
serem capazes de decifrar quaisquer códigos culturais, mas esquecem que trazem
um chapéu de cowboy enfiados na cabeça – um chapéu que representa o imaginário
de sua época, da sua classe ou do seu grupo social.
Às vésperas de embarcar para a
Itália, pela primeira vez, relembro essas histórias e fico pensando a respeito do meu chapéu de cowboy. Meus avós paternos vieram da Itália nas primeiras
levas de imigrantes, no final do século XIX, e tenho camadas de fantasias a
respeito do seja esse país. Desde criança escuto histórias da
“terra dos antepassados” e dentro de mim existe um menino que acredita que em
cada povoado italiano há uma igreja ricamente decorada, com alguma madona renascentista
num nicho lateral, venerada pelos camponeses locais. Camadas e camadas de
fantasia que, na certa, terei de desbastar. Isto se conseguir tirar o meu chapéu
de cowboy.
Fui teu admirador desde que li o ensaio sobre o Grupo Quixote, agora mais ainda com essas crônicas. Pretendo adquiri-las nas Feiras do Livro de Porto Alegre, na editora Movimento.
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